sexta-feira, 24 de abril de 2015

Sobre o raro espécime "arara cegueta" e conjecturas sobre o poder

A arara cegueta, raro espécime no reino animal

Acho curioso o papel do poder nas relações humanas. Ao nosso lado, nos leva aos céus e nos provisiona momentos de prazeres quase luxuriosos. Em situação variante, porém, ele provisiona momentos em que exalamos o que há de mais nefasto em nossa psiquê. (Eu mesmo)

O Dr. Helmut Marko, consultor da Red Bull e conhecido como um caçador de talentos pouco ortodoxo para a categoria, tem sido mais falante do que nunca. Já vimos situações em que o grupo dos energéticos, sob a tutela de Marko, cometeu injustiças ímpares e díspares contra vários pilotos. 

Dos que eu vi correr pela Toro Rosso, no mínimo quatro sofreram com a falta de paciência do "Doutor" Helmut, desde o tetracampeão de Champ Car Sébastien Bourdais até Sébastien Buemi, Jaime Algersuari e, mais recentemente, Jean-Eric Vergne. 

No último caso, talvez o mais estarrecedor, Vergne era realmente um excelente piloto, e superou seus companheiros nos três anos em que disputou a F1 pela Toro Rosso, Daniel Ricciardo (hoje "líder" da Red Bull) e Daniil Kvyat, mas acabou alijado do projeto. Tremenda injustiça.

E, forçando um pouco mais a memória, também podemos lembrar o português Antonio Félix da Costa, que estava perto de assinar com a Toro Rosso, mas foi jogado fora em prol da contratação do pequeno Max Verstappen, o que deixou a quase todos de queixo caído. Max tinha apenas 16 anos na ocasião.

E não estou falando em termos exagerados, não. Marko quase que literalmente "jogava fora" mesmo todos os pilotos que não interessavam mais. E não é para menos: Marko se jacta até hoje da contratação de Sebastian Vettel, que se tornou tetracampeão com a marca Red Bull estampada no peito, e não admite pilotos de menor calibre. Nessa brincadeira, já vimos uma dupla de pilotos inteira sair da Toro Rosso em 2011 e 2014 - no último caso, Kvyat foi promovido, mas Vergne foi enxotado.

O fato de ter "descoberto" Vettel subiu à cabeça de Marko, a ponto de ele esquecer que o alemão é um piloto fora-de-série, um daqueles que se acham numa "safra" de 1000 pilotos, e em unidade. E Vettel é um exemplar raro, que encontrou as ótimas bases da Red Bull para trabalhar e também não era um piloto qualquer: Aprendeu na marra a corresponder à pressão que aquele meio lhe impunha e reagiu de forma fenomenal, atingindo uma precisão só antes vista em Schumacher e Fangio.

Não conseguir ser Vettel é a pedra no sapato dos pilotos que Marko demitiu. E não era culpa deles. O STR3-Ferrari era um bom chassi guiado por um piloto extraordinário. As únicas pole-position e vitória conseguidos pelo time de Faenza, outrora Minardi, vieram justamente naquele inesquecível GP da Itália de 2008. Depois disso, nem um pódio sequer. Até hoje.

"Mas tio, por que isso tudo? Você não ia falar da histeria do Marko?"

E irei. Mas era necessário elencar os motivos pelos quais os martírios públicos do consultor da Red Bull são fruto da mais pura hipocrisia, inveja e recalque e, naturalmente, pela perda do poder.

Marko começou sua série de verborragias nesse ano falando que seu domínio não se compara ao atual domínio da Mercedes. Nisso, vou ter que concordar com ele, que, apesar da hipocrisia pura, foi feliz nesta colocação. A Mercedes, além de ser mais veloz em relação aos outros, também conta com uma confiabilidade e consistência não vista nos carros dos touros de 2010 a 2013. Se os carros de Vettel e  Mark Webber não raro abandonavam por problemas estruturais dos chassis ou do motor, os de Lewis Hamilton e Rosberg primam por uma confiabilidade tremenda, além da velocidade, claro. 

A ameaça de sair da F1, também comentada por Marko, também fazia sentido. Do ponto de vista dos negócios, não é nada lucrativo para a Red Bull, outrora tetracampeã, continuar no circo sem vencer. Abandonar o esporte, ainda mais quando sabemos que os custos na categoria andam tão caros, não é tão drástico quanto parece, ao menos na minha opinião.

Duas conclusões óbvias: A perfeição dos Red Bull's dependia bastante da precisão de Vettel, que precisava largar da pole, sumir na ponta e ganhar, pois o carro precisava de pista livre para a melhor passagem de ar pelas linhas aerodinâmicas, sob pena de aquecimento de partes essenciais do carro, coisa que se agravava se o piloto não sabia lidar com muito tráfego à frente. Já Webber não era sequer vice-campeão por não conseguir ser tão preciso quanto o alemãozinho.

Até aí, tudo bem, Marko só havia falado a verdade. Mas a última do austríaco cegueta foi o estopim, era mais do que o que dava para tomar como lúcido.

Recentemente, o Dr. Helmut Marko acusou a Mercedes de ajudar a Ferrari. Não, vocês não leram errado. O consultor da Red Bull acusou, com todas as letras, a equipe alemã de beneficiar os italianos para reduzir o atraso da outra parte da F1 e favorecer uma briga inter-equipes. 

Eis aqui o que Marko disse. "Se você olhar para o quanto vencemos no ano passado, ficou claro que não seria sempre assim. É difícil provar, mas tenho certeza de que a Mercedes ajudou a Ferrari. E todos sabemos o motivo. Esperávamos melhorias, mas é difícil explicar tanto progresso em tão pouco tempo".

Então tá. A Mercedes ajudando a Ferrari? Mas pera aí, algo está errado. Tudo o que os alemães querem é tranquilidade para lidarem eles mesmos com sua própria equipe, principalmente com o ego cintilante de seus dois pilotos, não acham? Afinal, ninguém quer uma Ferrari com Vettel, Kimi Raikkonen e Maurizio Arrivabene fungando no cangote não é? Pois é. 

O que nos leva a uma conclusão óbvia: A histeria de Marko é sintoma de uma Red Bull desapoderada e irreconhecível, num beco sem saída. Ela não consegue nada em termos de competência dos motores da Renault, seu chassi não está uma beleza - para piorar, Adrian Newey está preparando sua aposentadoria do circo - e não há pra onde correr, pois a esta altura do campeonato, os motores Mercedes e Ferrari estão inalcançáveis. Afinal, ferraristas e mercêdicos seriam loucos de, a essa altura do campeonato, entregar motores aos austríacos, outrora seus algozes. Sabiam que seria como entregar o ouro ao bandido.

Há duas saídas para a Red Bull hoje. 

1. Tentar continuar com a Renault e ver no que dão as tentativas dos franceses em entregar equipamento de vergonha;

2. Apostar na Honda. Mas não sei se existe alguma cláusula contratual de exclusividade com a McLaren, e não sei se Dietrich Mateschitz estaria disposto a esperar pela evolução dos japas.

Já gostei mais da Red Bull. Já fui fã dos taurinos, eram uma equipe boa-praça durante os títulos de Vettel. Não gostaria de ver o fim da escuderia dos energéticos de forma tão deprimente. De qualquer forma, essas são duas saídas custosas ao time, se quiser permanecer na Fórmula 1 por muito mais tempo.

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