quarta-feira, 8 de abril de 2015

Sobre gurias no automobilismo - minhas conjecturas

Enquanto alguns (e algumas) já querem vê-las assim...

São fracas. 

Não conseguem competir no mesmo nível dos homens. 

O homem é mais forte que a mulher. 

A genética do corpo feminino é um calcanhar de Aquiles. 

Lugar de mulher é atrás de um fogão, não de um volante. 

Queremos vê-las como grid-girls, não competindo.

Esses são alguns dos exemplos de frases que já li. Frases obviamente proferidas com o intuito de justificar o parco quórum feminino no automobilismo.

Como se não bastasse, ainda apareceu algum zé-ninguém, que não conheço - ainda bem - para sugerir a ideia da criação de uma Fórmula 1 somente para mulheres.

Agora, o que eu acho disso tudo? Uma tremenda babaquice. E ainda machista, por sinal.

Mas primeiro vamos falar um pouco sobre essas ideias-clichê.

1. Mulheres não competem no mesmo nível dos homens? 

Pode até ser que isso seja verdade, mas é preciso esclarecer que isso não ocorre por alguma superioridade natural/genética masculina, mas sim por algum problema de desempenho das próprias mulheres, não inerente ao sexo.

2. O homem é mais forte que a mulher?

Existem pesquisas nesse sentido que tentam explicar as diferenças genéticas entre homem e mulher, mas não entrarei no âmbito de explorar essas pesquisas, pois o automobilismo, um esporte em que não há um contato físico direto e que se fundamenta na relação máquina-ser humano, poda qualquer chance de se recorrer ao determinismo biológico. 

Ou seja, isso não é inerente ao sexo de forma alguma. Mas para provar o que acabei de dizer, vamos recorrer a alguns exemplos práticos no próprio mundo do automobilismo. O mais recorrente de todos, obviamente, é o da estadunidense Danica Patrick. 

Danica tem carreira sólida no automobilismo, sendo a única mulher a vencer uma corrida no automobilismo internacional (2008, Twin Ring Motegi, no Japão, pela Fórmula Indy). Em seus anos de Indy, com exceção de 2005, Danica sempre terminou o campeonato entre os dez primeiros. Hoje, compete pela Sprint Cup Series, a divisão principal da Nascar. A Sprint Cup tem um dos campeonatos mais extensos de todas as categorias num ano só, com um calendário de quase 40 corridas. 

A se comprovar alguma inferioridade de Danica como mulher, seria necessário que ela não conseguisse sequer ser rápida ao volante de um Nascar, que dirá completar corridas de forma minimamente competitiva, disputando com seus colegas rapazes. Bom, uma breve olhada na "Vikipédia" pode comprovar que Danica não só chegava algumas vezes entre os dez primeiros nas corridas - a Sprint Cup frequentemente tem grids de mais de 40 carros por corrida - como também anotou uma pole-position, ora vejam, na classificação para as 500 milhas de Daytona.

Danica, porém, não é uma unanimidade como a melhor moça da atualidade na condução de carros de corrida. Ao contrário, ela é rechaçada. "Ain seu omi opressor deixa ela em paz". Não, não é porque ela é mulher. É porque é uma piloto rápida e agressiva, mas muito inconsistente. Não raro, ela se envolve em algum acidente ou rixa com algum outro piloto. Isso é o que a torna fraca e pouco atraente em termos de desempenho - sua inconsistência. 

Mas por que ela ainda compete, sendo fraca? Porque mantém ao seu redor uma forte campanha midiática. Ela pode ser uma piloto mediana na pista, mas é carismática e com isso ganha a complacência do público, principalmente entre mulheres que pouco ou nada entendem do assunto e acham que, independente do que a piloto fizer na pista, estará sempre em evidência por seu "caráter desafiador contra o ambiente opressor do automobilismo".

3. As mulheres são inferiores por causa de genética? 

Não, como eu já disse antes. O caso de Danica Patrick poderia até chegar a ser, em termos, uma constante entre as mulheres que correm, mas o potencial de mulheres competitivas não é impotente pelo determinismo genético, e sim pela pouca presença feminina nas corridas de carro. Porque é óbvio: Uma amostragem de 10 mulheres tem um potencial de aproveitamento virtualmente inexistente em vista da amostragem de 1000 homens no mesmo ambiente. Porque não parece absurdo colocar a proporção em 1 mulher para cada 100 homens, pelo que se vê no automobilismo atualmente.

Exemplo: quando estive presente ao 48º Campeonato Brasileiro de Kart, realizado aqui no Ceará, eram 117 os pilotos inscritos para a competição. Sabem quantas mulheres no meio? Uma, a paranaense Thaline Chicoski, a quem pude entrevistar após o campeonato.

E isso é quando tem mulheres presentes. Se não tem muitas meninas competindo nem mesmo no kart, alguma coisa está muito errada e a culpa disso não pode ser só das mulheres. Verdade seja dita, a construção cultural normativa da sociedade brasileira e a da maioria do planeta não associa mulheres a carros, mas a bonecas ou coisas do tipo. Alguns setores, até mesmo entre os homens, fazem até questão de dissociá-las da paixão por automóveis. Quebrar um paradigma cultural desse porte, para elas, não é uma tarefa das mais simples, mas, não raro, acontece.

Quando você tem o interesse de ingressar num esporte como o automobilismo, o interesse na sua presença por parte de quem está ali pode contar muito a favor ou contra. E é aqui que grande parte das mulheres que tentam, acabam meio que perdendo a vontade de competir. Então, para colocar em pratos limpos, o que conta para o desinteresse feminino não é outra coisa senão a falta de incentivo por parte de quem rege o automobilismo (como eu disse antes em outro texto) e também a receptividade quase nula dos pilotos que ali estão. 

Algo que poderia muito bem ser resolvido num punhado de anos com uma democratização do acesso ao automobilismo. O coeficiente feminino certamente aumentaria, em detrimento do sexismo presente entre os homens.

4. Lugar de mulher é atrás de um fogão, não de um volante. Essa afirmação procede?

Não há nem a necessidade de comentar essa, senão pela iniciativa de explicar que é esse tipo de frases que desanima algumas mulheres em relação à competição. Mas elas não desistem só pela mera provocação machista vinda de alguns colegas de profissão, e sim por esse tipo de pensamento estar também na linha de raciocínio de alguns "cartolas" que regem o automobilismo e que por isso acabam tendo não apenas poder, mas também influência suficiente para desincentivar o acolhimento às moças no mundo do esporte a motor.

Esses são os problemas que surgem quando pensamos e problematizamos a conjuntura do automobilismo para elas. São problemas complexos e que não vão se resolver da noite para o dia, e que precisa não só do engajamento dos setores ligados ao esporte a motor, mas de uma mudança conjuntural da sociedade como um todo.

Outros - e até outras (!) - teimam em querer vê-las apenas assim - lastimavelmente

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