quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Sobre as aberrações da F1-2014

 ROSLAN RAHMAN/AFP/Getty Images

Não se enganem. A temporada 2014 não foi normal. Longe disso. Não foi apenas um ano "monótono", pautado pela larga superioridade das Mercedes perante as outras equipes. O ano foi cheio não apenas de novidades, mas também de coisas incrivelmente atípicas.

Para começar, óbvio, há que se destacar a grande mudança dos motores. Pouco ruidosos, extremamente caros e problemáticos, os V6 Turbo suscitaram discussões e mais discussões sobre seu funcionamento e barulho (ou a falta dele).

Vivemos um ano em que um motor é muito, mas muito mais potente que os demais. E também foi um ano que deu a clara impressão de que a Renault é uma fracassada.

Uma impressão, apenas. A Renault não deixou de saber como que se faz motores. Não é à toa que empurraram a Red Bull para quatro títulos consecutivos dela e de Sebastian Vettel. Não é à toa que eles começaram a primeira era Turbo. Pode demorar, mas eles irão voltar ao caminho das pedras. Se é que em 2015 não estarão aptos para isso.

Passamos por um ano estranho também entre as equipes e seus pilotos.

Na Williams, Felipe Massa chegou para liderar um novo projeto que nascia após os retumbantes fracassos de 2011 a 2013, que quase culminaram no fim da tradicional equipe inglesa. E, ao lado do novato Valtteri Bottas, esperava-se um novo período para a carreira do brasileiro, mais florido, menos conturbado que na panela de pressão escarlate da Ferrari, quando foi companheiro de Alonso. O que aconteceu foi bem diferente das previsões: logo no começo do ano, Massa e Bottas protagonizaram uma polêmica situação, já íntima do brasileiro: a ordem de equipe. Dessa vez, diferente de 2010, Massa não cedeu a posição. Bottas ficou irritado e Claire Williams, idem. Ao longo do ano, Felipe sofreu com vários azares em 2014, enquanto Bottas colecionou pódios. 

Na Ferrari, esperava-se que Kimi Raikkonen chegaria para por fim à tripudiação de Fernando Alonso. Ao contrário, o finlandês comeu poeira do espanhol durante o ano quase todo e está muito atrás na classificação. Mas eu gostaria de saber: Alguém aqui se atreve a dizer que Raikkonen é um fracassado qualquer? Eu mesmo não sou partidário de uma ideia dessas. Kimi não é de se abater com companheiros de equipe e é um dos melhores pilotos do grid, tendo feito constantes apresentações de gala como piloto da Lotus em 2012 e 2013. Seu mau desempenho em 2014 muito provavelmente é apenas circunstancial.

Na Red Bull, esperava-se que Sebastian Vettel consolidasse sua imagem de tetracampeão inabalável, ainda mais com um novato chegando para lhe fazer companhia. Pelo contrário: vimos um Vettel nitidamente abatido, figurinha rara nos pódios, longe das vitórias.  E não se trata de um piloto em processo de obsolescência, mas sim um atual campeão mundial, conhecido por sua fome de recordes. Acredito que seja culpa dele, talvez por não se adaptar ao carro. Isso só ele pode responder. Enquanto isso, um Daniel Ricciardo em performance poucas vezes vistas, em se tratando de um estreante em uma equipe de ponta. Se acredito que Vettel sentiu um "efeito Ricciardo"? Não, não acredito.

Alguém aqui se atreve a dizer que, nos três casos acima, as "vítimas" são necessariamente pilotos inferiores a seus "algozes"? 

Eu mesmo não me atrevo.

Custo a crer que Raikkonen, um campeão do mundo, seja muito inferior a Alonso, assim como não acredito que Bottas, um novato, seja melhor que Massa, um veterano na categoria. 

E principalmente, não posso aceitar que, por uma temporada marcada por circunstâncias atípicas como a de 2014, Ricciardo seja considerado indiscutivelmente melhor que um tetracampeão consagrado.

Em 2015, provavelmente veremos uma normalização da situação na grid da Fórmula 1.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Sobre V8, V6, Mercedes e pragmatismos

Por mim, podia cair fora mesmo
Confusão na Fórmula 1. E das grandes.

Algumas equipes da categoria pretendem voltar aos motores V8 aspirados num futuro não muito distante. 

Eu acho a ideia excelente.

São mais baratos, ou seja, seria um retorno ao caminho da redução dos custos. As atuais "unidades de potência" tem custo de produção altíssimo: em torno de 15 a 30 milhões de dólares. A unidade!


Além disso, os V8 são incrivelmente barulhentos, e isso agradaria a quem? Isso mesmo, aos fãs. Os que vão aos autódromos para viver a experiência de assistir de perto aqueles carros correndo. E o som estridente dos propulsores nas retas é hipnótico.

Seria a medida mais sensata. 

Mas não vivemos num mundo pautado pela sensatez.


Uma das equipes quer que a F1 continue como está. Isso mesmo, a Mercedes.

A equipe alemã, como toda e qualquer empresa corporativa faria, defende seus espólios. Nas circunstâncias atuais, tem o melhor carro do grid. Se nada mudar, seu reinado tende a se estender por muito tempo.

Vitórias? Poles? Títulos? Tudo em prol dos imensos lucros. Competitividade pra que?Do jeito que tá, tá bom pra gente. E que se dane o esporte. 

Niki Lauda já deu o recado: "se os V8 voltarem, a Mercedes vai embora!"

Por mim, a Mercedes podia ir embora mesmo. Não faria falta alguma essa chantagem, que, aliás, é uma marca registrada do time alemão. 

Lembram que, em 2013, eles fizeram testes privados em Barcelona? Fizeram rigorosamente a mesma ameaça. A FIA acabou apenas lhe proibindo de participar de testes coletivos para melhoria dos pneus naquele ano.

É o automobilismo para fins de mercado empregado em uma categoria refém das fábricas.

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Sobre egos frágeis, sede de poder e bodes expiatórios

Muito se falou a respeito de uma eventual introdução do terceiro carro nas equipes sólidas da Fórmula 1. Alguns gostam da ideia porque acham que a Fórmula 1 precisa de mudanças drásticas urgentes. 

Outros acham que a desportividade estaria ameaçada com isso e levantaram questionamentos sobre a sustentabilidade das equipes garagistas ante um poderio acentuado das montadoras, bem como uma eventual monopolização dos podiums por alguma equipe que eventualmente tenha os melhores carros da grelha.

Mas não é comum pensarmos sobre as reais causas do levantamento desta hipótese.


A verdade é que não falta dinheiro aos cartolas. Não faltaria dinheiro caso eventualmente Bernie Ecclestone e a FIA subsidiassem metade do grid atual. Não seria sequer necessário o tal terceiro carro.

A questão é: Todos os lados querem um pedaço grande no bolo do poder executivo da Fórmula 1. Na conjuntura atual, as equipes nanicas, sobretudo a Caterham, e algumas médias, principalmente a Sauber, estão com sérias dificuldades financeiras e inexoravelmente representam uma incógnita no grid da temporada 2015 do certame.

Por um lado, Ecclestone não quer perder o controle sobre os direitos comerciais da categoria para a FIA. E ele  o perderá, se o grid ficar com menos de 20 carros no ano que vem, mediante um acordo de 100 anos assinado entre ele e a entidade. 

Por outro, as equipes, mesmo as grandes (como já admitiu Eric Boullier) teriam dificuldades para manter a logística de uma equipe com 3 carros.

E como ficam as tais equipes que estão na bancarrota? Porque por elas ninguém olha, e ninguém quer olhar.

Porque ninguém quer arcar com os prejuízos. Os delas e os que elas causam.

Olhem pelos fracos e oprimidos!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Sobre Hamilton e Rosberg


Durante o ano de 2014, com a nova era Turbo, eco-amigável, a alemã Mercedes se impôs diante das demais e vem dominando facilmente a temporada atual da Fórmula 1. Seu carro anda bem em todos os tipos de pista e, com dois pilotos talentosos como Lewis Hamilton e Nico Rosberg, o campeonato de construtores está garantido, pois nesta altura do campeonato, estando tão à frente das demais equipes e ainda com um bólido tão superior, não há como o time tedesco perdê-lo.


Neste ano, com a brutal mudança no regulamento, a Mercedes, que apostava todas as suas fichas no árduo trabalho realizado para desenvolver um poderoso motor V6 Turbo, domina o campeonato como poucas vezes se viu. Com isso, Lewis Hamilton tem se digladiado ferozmente com Nico Rosberg na luta pelo campeonato. O inglês dizia que esta provavelmente seria sua última chance de ser campeão. O alemão também sabe disso. No ano seguinte, é possível que as outras equipes, bem como as outras fabricantes de motores, evoluam bastante, principalmente a Renault, outrora precursora da Primeira Era Turbo, e a Honda, que tem à sua disposição deliciosos dados dos potentes motores alemães, que equiparão a McLaren até o final deste ano.


No começo da temporada, exceto pelo GP da Austrália, onde abandonou, Hamilton viveu uma grande fase, tendo vencido quatro das cinco primeiras corridas. E aí começaram as querelas. Inicialmente, Hamilton acusou Rosberg de copiar seus set-ups. Depois, nas claustrofóbicas ruas de Mônaco, Rosberg supostamente teria errado de propósito na curva Mirabeau para impedir a pole-position do inglês, num caso semelhante ao de Michael Schumacher em 2006, quando o heptacampeão deliberadamente estacionou seu carro na curva Rascasse para impedir a pole de Fernando Alonso, sendo providencialmente desclassificado posteriormente. O caso de Rosberg foi analisado pelos comissários e o alemão não perdeu a pole. Nico venceu a corrida e ampliou ainda mais sua vantagem. Hamilton, após a corrida, disse: "não somos mais amigos". A guerra estava declarada.


No GP do Canadá, Rosberg e Hamilton saíram em primeiro e segundo, respectivamente, mas sofreram com falhas em suas unidades de potência motores. O inglês foi forçado a abandonar e o alemão, apesar de conseguir terminar, teve uma perda de potência significativa, abrindo caminho para a primeira vitória da Red Bull no ano, com o então surpreendente australiano Daniel Ricciardo (Ricardão, para os íntimos). Na Áustria, tanto Rosberg quanto Hamilton tiveram problemas no Q3 da classificação, deixando a primeira fila de bandeja para Felipe Massa e Valtteri Bottas, a dupla da Williams. O brasileiro conquistou sua primeira pole desde 2008. Mas isso não impediu que a Mercedes voltasse a vencer, com dobradinha de Rosberg e Hamilton. O inglês voltaria a reagir na Inglaterra, se aproveitando de um abandono do alemão para vencer em casa e tirar 25 pontos da desvantagem.


Os GPs da Alemanha e Hungria marcaram dois problemas seguidos de Hamilton, com duas reações extraordinárias nas corridas. No GP alemão, em Hockenheim, Hamilton rodou no Q3 da classificação e, na corrida, chegou em terceiro. Já em Hungaroring, Lewis sofreu com um incêndio provocado por vazamento de óleo e nem disputou o Q3. Reagiu e terminou novamente em terceiro. Nico Rosberg, por sua vez, teve um aproveitamento excelente. Venceu o GP da Alemanha e foi o quarto no GP da Hungria, em outra vitória de um excelente Ricciardo. O GP húngaro acabou sendo marcado por uma controversa ordem de equipe da Mercedes, a de que Hamilton deixasse Rosberg passar. O inglês não obedeceu e os dois mantiveram suas posições. Ali, começavam a ser questionadas as habilidades de Toto Wolff e Niki Lauda, dirigentes, para controlar o ego de seus dois pilotos. 

Questionamentos esses justificados no último domingo (24), no GP da Bélgica, disputado no tradicional circuito de Spa-Francorchamps. Nico Rosberg e Lewis Hamilton dominaram o treino, mesmo debaixo de um dilúvio, como é de costume na região da Floresta das Ardennes, onde é localizado o circuito. O alemão bateu o inglês por aproximadamente três décimos. Na largada, Lewis tomou a ponta e Rosberg caiu para terceiro, mas recuperou a posição em cima de Sebastian Vettel ainda na primeira volta, com um erro do compatriota na freada das Les Combes. 

(Fotografia: BBC Sport)

Na segunda volta, Rosberg vinha com ação para tentar ultrapassar Hamilton e colocou seu carro ao lado do carro do britânico por fora para tentar a ultrapassagem, mas acabou tocando a roda traseira esquerda do carro #44 de Lewis, furando-a o e quebrando sua própria asa dianteira. O inglês rodou uma volta inteira com o pneu furado e perdeu muito tempo feat posições, sendo forçado a voltar aos boxes para trocá-lo. A performance da Mercedes #6 de Rosberg não foi tão afetada, por isso ele só veio bem depois para trocar a asa avariada, mas ele acabou sendo derrotado outra vez pelo risonho Daniel Ricciardo, que conquistou sua terceira vitória na temporada. Hamilton acabou por abandonar a quatro voltas do final.

O incidente dividiu a comunidade automobilística em dois pilares. De um lado, os moralistas e fãs de Hamilton, que, além de considerarem Rosberg integralmente culpado por uma batida proposital, o vaiaram quando este foi ao pódio na segunda colocação. Do outro, pessoas que preferiram olhar para o incidente como ele realmente foi: um clássico toque de corrida. A direção da Mercedes chamou os dois pilotos para uma reunião emergencial para esclarecimentos sobre a polêmica. Se por um lado, Niki Lauda culpou Rosberg por tudo, Toto Wolff foi mais comedido e disse que "o toque poderia ter sido evitado". Os dois concordaram, porém, que um problema desses na segunda volta era algo inaceitável.

Lewis Hamilton has the chance in 2014 to prove himself worthy of being a true great of the Formula One worldNa minha opinião, há uma tentativa deveras desonesta, encabeçada por Hamilton, de colocar o incidente na culpa de Rosberg. Sim, encabeçada por Lewis. O inglês saiu da reunião dizendo que Rosberg basicamente teria admitido que batera propositalmente. O "basicamente" foi, logicamente, uma tentativa de manipular as palavras do adversário de forma conveniente aos seus propósitos. Já o tedesco preferiu não comentar detalhes sobre a reunião, mas disse que Hamilton havia dito apenas sua versão dos fatos e que a sua própria opinião era bem diferente. 

Rosberg poderia evitar o toque? Quanto a isso não sei exatamente o que pensar. Acho que há uma responsabilidade conjunta. Se Rosberg não retirou o carro dali, Hamilton sabia exatamente onde o alemão estava e tentou manter a linha normal, como qualquer um faria. Rosberg teve um espaço e tentou contornar a primeira perna da curva emparelhado para depois tentar ultrapassar na segunda. Os dois estavam simplesmente tentando seguir traçados parecidos e não cederam de forma alguma.

Eu diria, inclusive, que se alguém poderia e deveria evitar esse tipo de situação, era Hamilton. Ele era quem tinha mais a perder. E perdeu. Se antes ele estava 11 pontos atrás de Rosberg na classificação, agora está 29. Como disse o autor do excelente blog "Axis of Oversteer" (aqui), foi uma briga entre cães para ver quem arremessava xixi no lugar mais alto do poste.

12_BEL_2014
(Imagem: Bruno Mantovani/Pilotoons)
Agora, sobre a Mercedes, pairam os fantasmas dos campeonatos de 1981 e 1986, em que a Williams perdeu fatidicamente dois campeonatos de pilotos, respectivamente, para Nelson Piquet (Brabham) e Alain Prost (McLaren), devido a falta de pulso dos dirigentes para controlar a animosidade dos pilotos. Ainda mais com um Ricardão, sempre no lugar e na hora certa, prontinho para aproveitar qualquer falha. Se antes não estava claro, agora ficou mais reluzente que o cromado da Estrela de Três Pontas: A equipe está em guerra interna declarada. 

Toto Wolff e Niki Lauda, dirigentes da Mercedes (Foto: Sutton)


Duas coisas ficam bem claras.

1. Lewis Hamilton está bem frustrado porque, mesmo sendo um dos melhores pilotos da atualidade, sendo constantemente comparado a Sebastian Vettel (tetracampeão) e Fernando Alonso (bicampeão), não está conseguindo dominar Nico Rosberg. Assim, tem corriqueiramente usado joguinhos psicológicos para tentar desestabilizar o companheiro, mostrando certa fraqueza psicológica.

2. Toto Wolff e Niki Lauda não sabem lidar com o ego e a animosidade de seus dois pilotos. Só podia dar merda.

De qualquer forma, é triste que Lewis e Nico, amigos de infância e antigos companheiros no kart, tenham sua amizade encerrada de forma tão cruel por ocasião da luta de suas vidas: a caminhada rumo ao título mais cobiçado de suas carreiras.

Foto: Getty Images