domingo, 22 de setembro de 2019

Sobre "Mãe" (2017)

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Outro filme complicado de falar a respeito. Talvez até mais do que “Nós”. A princípio, é bom que se diga duas coisas: Não é um projeto para todos os tipos de público, e acho que este fato é ululante. O outro fato é que é um longa de narrativa muito mais complexo do que o comum, e mais ainda: não há, em momento algum, uma resposta clara sobre o que é que estamos vendo em tela. 

Os fãs mais fervorosos de “Mãe” alegam que é uma grande obra incompreendida, e depois de ter visto o que vi, com as informações que tinha previamente, é seguro dizer que estes fãs não estão errados. A partir do momento em que você tem uma ideia clara da premissa do filme a partir de um mínimo de informação sobre qual é, na verdade, o objetivo do projeto, todos os enigmas parecem muito mais claros. É quase como jogar um jogo de videogame tendo em mãos o detonado completo.

Isso, ao mesmo tempo, tanto engrandece o projeto quanto o deixa um pouco menor. Engrandece, pois o torna uma obra de arte brilhante, quase como uma pintura renascentista feita nos tempos atuais. Mas há uma regra do cinema cuja menção acredito ser válida aqui: um filme deve se bastar em sua linguagem cinematográfica e funcionar pelos próprios méritos. Assim, se um espectador desavisado vai assistir a esse projeto, as chances de frustrar-se são grandes e, em tese, não é possível culpa-lo. Portanto, por este ponto de vista, é compreensível que tenha havido rejeição ao filme. Afinal, como dito no começo, este não é um projeto para qualquer tipo de público. 

A coisa que mais me assombrou, porém, foi a reação da crítica, de quem normalmente se espera mais apuro ao emitir opiniões sobre cinema. Pois, analisando em retrospecto, é um daqueles filmes que se engrandecem cada vez mais e mais com o tempo e os debates. Em suma: a sensação que tenho ao escrever esse texto é a mesma de quando vi “Corpo Fechado”, de M. Night Shyamalan, ou “Amnésia”, de Christopher Nolan; “Mãe” talvez venha a ser considerado, posteriormente, um filme MUITO à frente de seu tempo.

Este é, sem dúvida, um filme único em todos os aspectos. “Mãe” é um projeto que traz consigo uma carga de perturbação muito peculiar e em vários níveis diferentes, que vão se progredindo gradativamente e de forma extremamente absurda, mas ainda assim parecem muito críveis ao passo em que a imersão consegue nos fazer sentir exatamente o mesmo que a protagonista está sentindo. 

Nisso, é possível perceber o dedo extremamente meticuloso do diretor-roteirista. Darren Aronofsky sabe conduzir com maestria todos os elementos disponíveis. O roteiro começa de forma parcimoniosa, apresentando os dois personagens principais de forma bem lenta e já nos coloca de cara na perspectiva da personagem Mãe, de Jennifer Lawrence. Logo depois, apresenta sua relação com Ele, personagem do Javier Bardem. Isso se resolve nos primeiros quinze minutos. Daí em diante, Aronofsky começa a introduzir cada situação absurda uma após a outra, de modo a aumentar gradativamente a tensão sentida pela Mãe, que passa tanto pela impertinência dos personagens que vão aparecendo ao longo do filme, como os de Ed Harris e Michelle Pfeiffer, quanto pela arrogância e vaidade d’Ele. A Mãe, a partir daqui, começa a perder cada vez mais espaço perante os outros personagens e isso é extremamente angustiante, e vai se tornando cada vez mais insuportável até que quando o estopim acontece, ele parece até ser cruel, mas é uma aliviante catarse. Uma construção de roteiro monstruosamente impecável, como uma reta perfeita desenhada sem régua num quadro negro com aquele barulhinho estridente incômodo.

E é porque ainda nem rasguei seda para as atuações. Não se preocupem, pois isso vai começar agora. QUE ELENCO MARAVILHOSO, MEUS CONSAGRADOS! Jennifer Lawrence consegue transitar com naturalidade entre todas as sensações que se espera de alguém na situação de sua personagem. Aversão, indignação, tensão, medo, angústia, desespero, pânico... Tá tudo lá. Ajudam nisso os planos extremamente fechados no rosto da personagem, que tanto mostram suas expressões faciais quanto escondem muito do que está ao redor, o que aumenta duas coisas essenciais num terror psicológico: claustrofobia e medo do que não está sendo mostrado. Javier Bardem consegue passar sensações distintas fazendo muito pouco. Pode-se perceber que seu personagem inspira confiança a Mãe, em menor ou maior degrau ao longo do filme, mas ao mesmo tempo é tão vaidoso e centrado em si que várias de suas atitudes são extremamente incômodas tanto para ela quanto para o público. Ed Harris é muito funcional e seu personagem é uma ponte que nos liga a todos os conflitos que ocorrem na sequência, e a julgar pela meticulosidade do projeto isto é proposital. Mas o grande destaque é mesmo a Michelle Pfeiffer. Sua personagem é como aquele som fininho e agudo de alta frequência. Ela chega com os dois pés na porta, cheia de marra e sua presença é extremamente cativante ao mesmo tempo que incomoda pela impertinência.

A se destacar também a total ausência de trilha sonora, um ponto extremamente positivo. Todo tipo de barulho no filme é diegético e isso é ÓTEMO, pois converge com o tom absurdista. A fotografia também é angustiante, pois transita dos tons suaves aos mais opressores sem muita demora, o que também é ajudado pela claustrofobia já citada, e esta só vai aumentando no decorrer do projeto.

E bem... não falar do aspecto metafórico desse filme seria um insulto. Como já dito, é um filme que oferece uma experiência multifacetada ao extremo. Mas para aproveitar todas estas facetas, não é possível ir ao cinema apenas de mente aberta. Para aproveitar ao máximo a experiência que o projeto quer passar, é inexoravelmente necessário ter uma noção básica de qual (ou quais) metáfora(s) o autor quer nos transmitir. A princípio, para quem lê um pouco sobre o filme antes de assisti-lo, é inevitável encará-lo com base na alegoria cristã, com toda a história desde o Gênesis ao Apocalipse. Há pistas ao longo de “Mãe”, do começo até os créditos finais, que deixam isso indubitavelmente claro. Podem aparecer várias outras ao longo do projeto? Podem... e todas são absolutamente legítimas.  Mas sabe por que? Porque à parte da alegoria cristã, que é a mais gritante, todo o imenso campo metafórico do filme é deixado livre para que nós, o público, o exploremos. É como assistir ao filme “IT – A Coisa”, só que sem a cidade, sem o palhaço e sem medos ou experiências muito específicas sendo abordadas com um enviesamento tão fechado em uma história própria, como no longa de Andy Muschietti. 

Em resumo, este projeto é, ao mesmo tempo, três coisas, a depender de como você se preparou – ou não - para vê-lo: 

1. uma história bíblica fechada;
2. um filme cheio de crítica social, sobretudo a como a sociedade trata as mulheres;
3. o que você imaginar que seja, com base em suas próprias experiências pessoais. Até mesmo se você o achar uma bosta de filme. Isso depende de você.

Com tudo isso, é possível dizer que Aronofsky criou uma obra de suspense e horror absolutamente atemporais. E, ao mesmo tempo, um belo quadro renascentista.

Um brinde a “Mãe”. Um brinde à mãe.

Que obra brilhante.

Nota: 9,5

sábado, 21 de setembro de 2019

Sobre "Nós" (2019)

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"Nós" (Jordan Peele, 2019)

Difícil decidir por onde começar a falar deste filme. Na verdade, acho que é difícil até escrever sobre ele. Mas vamos tentar.

É um projeto MUITO diferente, em todos os sentidos, de "Corra", o primeiro desse diretor. Se lá havia um subtexto que muito mais parecia um gancho de direita na nossa cara sobre a questão racial, este aqui é muito mais subjetivo e cheio de alegorias e nuances a serem observadas. 

O filme começa com cenas relativamente longas de apresentação dos personagens e consegue nos fazer simpatizar com eles com louvor, principalmente a da Lupita Nyong'o. A princípio não ficou muito claro para mim o período exato do filme, mas logo depois entendi que a garotinha do começo seria a personagem de Lupita anos depois.

Feitas as apresentações dos personagens, o filme começa a decolar ainda no primeiro ato com cenas aparentemente simples, mas extremamente tensas. E também começa a desenvolver um ar de mistério, que se mantém durante todo o longa. Juntou tensão e mistério de forma convincente em um único filme? Tchau e benção. É só correr pro abraço.

E daí pra frente o filme decola de vez. Não demora muito para os vilões aparecerem, e quando aparecem, a sensação de mistério e incômodo vão aumentando cada vez mais, a ponto de você ficar se perguntando sempre: “mas que merda é essa?” 

Jordan Peele, contudo, não apenas sabe disso, mas também quer te induzir a isso. Cada cena e cada gesto dos atores são muito bem guiados para provocar estas sensações no espectador. Mas... o diretor-roteirista vai além. Ele demonstra tanto domínio do terror como gênero narrativo, bem como de seus subgêneros (sendo invasão domiciliar e slasher os mais gritantes aqui) que subverte tudo em certos momentos do segundo ato e o resultado se traduz em camadas inteiramente novas de mistério. 

Com isso, diferente de “Corra”, além de não ter um alvo objetivo, “Nós” também não traz muitas respostas objetivas, deixando essa tarefa a cargo da mente de cada espectador.

Mas isso não seria possível sem a escolha cerebral do elenco. E aqui temos mais um acerto de Peele: os atores são MUITO BONS! Eles conseguem trazer características únicas e marcantes tanto para seus “originais” quanto para suas versões sombrias e isso fica evidenciado a cada cena em que somos postos diante da confrontação entre as “versões” de cada personagem. E as versões sombrias são simplesmente tenebrosas e assustadoras e põem um contraponto paradoxal e bem-sucedido em representar o mais brutal perigo em relação a suas versões normais, o que evidencia ainda mais o brilhantismo destes atores. 

O filme se dirige para o fim com cada vez mais mistérios e não parece muito disposto a trazer respostas para estes mistérios, o que aumenta ainda mais o incômodo do espectador. 

Eu, por exemplo, olhei a duração do projeto em alguns momentos pra saber quanto tempo faltava e, quando faltavam apenas dez minutos para acabar, fiquei tipo “tá, mas e aí? Não vai explicar mais nada?” ... e aqui mora o último e maior acerto do diretor: deixar perguntas abertas. O maior triunfo de um filme é quando ele causa reflexão e conversas, e Peele consegue isso com louvor. 

Muitas coisas a serem respondidas trazem muitas interpretações diferentes possíveis e a dialética entre elas é o que torna “Nós” tão interessante e cheio de significado. Pois quando um filme consegue trazer tantas coisas já conhecidas e ao mesmo tempo convergi-las a fim de criar algo inteiramente novo e desconhecido – e, por isso mesmo, mais assustador e perturbador – é possível entender que estamos diante de um novo grande mestre do terror, capaz de unir o básico ao complexo com maestria.

Jordan Peele é, sem dúvida, um gênio.

QUE FILMAÇO.

Nota: 9,5

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Sobre IT - Capítulo 2

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Bem... Vi, enfim, o IT - A Coisa, capítulo 2, adaptação do livro homônimo do Stephen King e blá blá blá, todo mundo já sabe.

Fui sem muita expectativa, apesar de o primeiro filme ter me agradado muito. Embora houvesse uma exigência de este projeto, no mínimo, encerrar satisfatoriamente os conflitos do primeiro filme, eu me enxuguei ao máximo de expectativas e fui sem taaaaanta hype assim, tanto que demorei pra ver.

E saí satisfeito do cinema, posso dizer. O filme, evidentemente, não repete a grandiosidade de seu antecessor e há aqui mais erros, conveniências narrativas e clichês. Mas há os méritos e estes não são poucos.

A proposta do filme, assim como no primeiro, é bem perturbadora. Derry definitivamente é uma cidade bizarra, com gente mais bizarra ainda e isso dá margem a abordagem de muitos temas que são gatilhos para o espectador. Quem tiver traumas com abusos psicológicos ou físicos de qualquer natureza, não deveria ver este longa. E não preciso nem dizer nada com relação ao palhaço, que é um tiro no cérebro de quem tem coulrofobia (medo/aversão a palhaços).

O roteiro começa ágil, com uma tentativa de desenvolver os personagens adultos. Mas dá uma bela engasgada no segundo ato, que se arrasta muito com cenas desnecessariamente longas envolvendo cada um dos personagens e suas alucinações com Pennywise. O ritmo é chato e os sustos, previsíveis. Depois de um tempo fica facílimo prever quando o barulhão vai vir.

Outra coisa... nessas cenas os personagens parecem perder a noção do perigo e são imbecilmente corajosos em situações que normalmente já fariam a gente cagar a bunda inteirinha. Tipo porões escuros e uma casa esquisita com uma pessoa mais esquisita ainda. Tipo... por um lado estes dois projetos meteram os dois pés na porta quebrando o paradigma de que criança não é mutilada em filmes (e neste segundo a coisa é mais violenta ainda para os pequenos) mas susto adoidado e conveniência de gênero tá valendo total? Neste sentido essa sequência é um tanto decepcionante.

O terceiro ato é bem ágil e divertido, mas não gostei das luzes piscando e isso dura praticamente todo o clímax da luta final entre o clube dos otários e Pennywise. Muito incômodo, desnecessário e me tirou muito da imersão. E às vezes é um pouco difícil de entender tudo o que está acontecendo. Mas o desfecho é totalmente satisfatório e cumpre muito bem a missão de concluir a história.

Em suma, a direção do Andy Muschietti é hábil no primeiro e no terceiro atos, mas perde muito a mão no segundo, resultando em um desenvolvimento arrastado.

A atuação dos adultos perde feio para a das crianças, mas é boa. Entre eles os melhores são sem dúvida o James McAvoy e a Jessica Chastain. De negativo propriamente dito talvez apenas o fato de os personagens terem ficado um tanto quanto unidimensionais. O destaque, inevitavelmente, fica para o Bill Skarsgard, que faz um Pennywise ainda mais assustador que antes, bem mais à vontade no papel do que no primeiro filme.

Em resumo... É um bom filme, satisfatório para os fãs desta adaptação, e percebe-se em cada detalhe que foi um projeto de paixão, movido pelo desejo de contar uma boa história. Vale a ida ao cinema.

Nota: 7,5