terça-feira, 10 de maio de 2016

Sobre um entrelaçar






















Era uma noite sombria.

Uma noite das trevas, realmente das trevas.

Poucas noites não eram assim, para dizer a verdade.

Mas essa, especificamente, não estava se poupando em melodrama.

Acordei em um lugar rochoso. O céu acima de mim sangrava.

Do meu lado direito, formações rochosas se revezavam entre cristas e vales.

Do esquerdo, um precipício que prenunciava uma infindável queda.

A água caía como em um infinito pranto.

Não demorei, contudo, a perceber que não estava sozinho naquele lugar.

Ali, diante de mim, remanescia em pé alguém cujo rosto não custei a reconhecer.

Um rosto que, muitas vezes, configurei como uma personificação específica na minha mente.

A sensação que me veio, posteriormente, foi a de conhecer este lugar.

Um lugar que, certamente, já permeou minha mente várias e várias vezes.

Ali, defronte de mim, a personificação de meus maiores medos e angústias, meus maiores temores e horrores.

Mas que, ao mesmo tempo, eu configurava como a personificação de minha zona segura.

Seu nome era Rich Brook.

Tínhamos uma relação afetuosa, Rich Brook e minha pessoa.

Uma relação, devo dizer, bem longa.

Ou era o que parecia.

Mas a cada vez que eu tentava sair dessa zona segura, machucava-me constantemente.

Brook era quem me acolhia, e eu, sentia-me seguro nessa zona de conforto.

Que, eventualmente, tornava-se isolamento.

Isolamento esse no qual, sem grandes preocupações, penetrei de maneira profunda por anos.

Senti, pois, que foi um erro.

Um propósito que se provou extremamente danoso.

E é por isso que ali estivemos naquele dia, Rich Brook e eu.

Senti que o intenso contato com Brook por todo esse tempo em muito prejudicou-me.

Deixei clara minha insatisfação com aquilo.

A personificação de meus medos, pois, sentiu-se afrontada.

"Afinal, que ganho há em sair do lugar onde você tem tudo o que precisa para não sofrer e não se machucar?", indaga Brook.

Titubeei.

Pergunta difícil.

E não é o tipo fácil de se responder quando se está à beira de precipícios.

Reuni, até aquele momento, toda a coragem que pude.

"Não sei dizer se há exatamente um ganho.

Não posso controlar todas as variáveis.

Nunca saberei totalmente ao certo o que vai acontecer.

Talvez, contudo, esse seja o grande segredo para se descobrir a verdadeira alegria.

Nem todos os momentos serão felizes.

Ainda poderei cair várias vezes.

Porém, hoje, sei que o remédio para parar de sofrer nunca será esse isolamento.

Nunca será a prolongada e prejudicial relação a teu lado.

Existem coisas na vida que não são aprendidas se você recorrer aos fáceis refúgios.

Aprender a não sofrer não implica necessariamente em desistir de todo o resto.

Ainda posso tentar novos horizontes, novas formas de ser feliz.

Novas formas de encarar a vida.

De viver. E ser feliz.

E é isso que quero."

Era demais para Brook.

Ele irrompeu contra mim. Atacou-me numa repentina fúria.

Senti-me sufocado por seu ataque, mas logo me recompus e o acertei também.

Seguiu-se uma luta. E nos atracamos à beira da queda.

Brook esteve próximo de me lançar abismo abaixo, devo dizer.

"Devemos cair juntos?! Tem sido assim nos últimos anos, não tem?! Sempre você e eu!"

Não consegui responder. Minha única vontade era a de me desvencilhar daquela situação.

Era evidente que, sozinho, seria difícil derrotar Brook e sair da zona de conforto.

O isolamento havia me enfraquecido ante sua presença, geralmente tóxica e fragilizante.

Até que uma voz se anunciou de onde a luz não chegava.

Uma voz pouco ouvida por mim antes. Mas inconfundível.

Logo, ela saiu das sombras, com uma arma apontada para Brook.

"Se não se importar, senhor Brook, gostaria que se afastasse deste homem. Creio que sua presença é um tanto quanto desagradável para ele."

Era uma outra personificação em minha mente.

Enquanto escrevia esse texto, não soube escolher um nome adequado para ela.

Mas, tudo o que eu sabia, naquele momento, é que, perto dela, eu sentia uma força ascendendo em mim.

Era como se o medo estivesse indo embora.

Mas não era.

O medo, compreendi posteriormente, ainda estava lá.

A zona de conforto sempre estará ali, esperando para ser abraçada, usada e abusada enquanto priva você da vida.

Abraçar a zona de conforto significa entregar-se totalmente ao medo.

E, portanto, declinar da vida. Entregar-se ao abismo.

Sair da zona de conforto significa entregar-se à vida. E ao medo.

Ao medo? Sim, ao medo também.

Muitas vezes, o medo nos mantém vivos.

Mas nunca deixar de se entregar à vida para cair nos braços da zona de conforto.

Porque o medo, a partir daí, deixa de ser protetor.

Essa zona parece, a princípio, confortável. Mas se torna sufocante com o passar do tempo.

E ela continuará, ali, até que você se permita viver e conviver, relacionar-se, tentar novos caminhos.

Eu estou tentando. Tive ajuda, admito.

Mas sair dela implica, muitas vezes, a corresponder quando alguém estende a mão em direção à sua própria.

E, eventualmente, sentir que o entrelaçar dos dedos valeu a pena.




*Parcialmente inspirado em Sherlock*














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