sábado, 18 de julho de 2015

Sobre deixar ir


A Fórmula 1 ficou um pouco mais triste hoje.

A tristeza que me invadiu no momento em que soube que Jules Bianchi havia morrido, porém, não foi tão grande assim. 

Pode parecer insensível, mas é verdade.

Era algo que aconteceria mesmo, mais dia, menos dia.

As chances de o francês sobreviver eram reduzidas, dadas as lesões cerebrais sofridas. Bianchi havia sofrido lesão axonal difusa durante o Grande Prêmio do Japão de 2014, no circuito de Suzuka. O prognóstico não era dos melhores. Caso sobrevivesse, sua vida se reduziria a um estado vegetativo permanente.

Lamentei sua morte. Estou lamentando agora, enquanto escrevo estas efêmeras linhas.

Mas a tristeza não foi maior do que o alívio. Sim, alívio.

Porque a luta de Jules pela vida incorria em inúmeras situações de sofrimento, tanto para o piloto quanto para sua família. 

Ao encontrar-se com o único mal irremediável deste mundo, Bianchi finalmente encontrou o descanso. Sua família, idem. Assim como o mundo do automobilismo, que perdeu um de seus mais leais e apaixonados participantes.

Chorei quando Bianchi marcou os sofridos dois pontos com a sofrível Marussia no GP de Mônaco de 2014. O tinha na mais alta estima. Torcia para que suas conquistas subsequentes fossem maiores, a bordo, talvez, de um carro melhor. Porque com a Marussia realmente não dava para fazer mais do que se esgoelar para marcar dois pontinhos em Mônaco.

Jules já vinha sendo sondado pela Ferrari para um cockpit em 2015. Era um fiel membro da academia de jovens pilotos de Maranello, o jovem gaulês.

Talentosíssimo. Com fome de vencer. Este era Jules Bianchi.

Mas é difícil para muitos deixá-lo ir embora agora, jovem e com uma vida inteira potencialmente vitoriosa pela frente tendo que ser grosseiramente riscada.

Sim, eu entendo. 

Deixar ir soa, num primeiro momento, desesperador.

Deixar ir. Aí está uma coisa que, em geral, não sabemos fazer. 

Geralmente as pessoas tentam evitar a morte das outras, mas mais pelo sentimento que elas mesmas nutrem do que pelos sentimentos, vontades ou o estado de saúde dos seus objetos de estima.

Deixar ir. Eis uma virtude que todos deveríamos tentar cultivar.

A família de Jules Bianchi aprendeu e deixou seu filho pródigo descansar em paz.

Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre. 

(Ariano Suassuna em O Auto da Compadecida)

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