sábado, 16 de abril de 2022

MEDIDA PROVISÓRIA (2022)




Hora de falar de um dos melhores filmes de 2022, que abalou estruturas e que com certeza é um marco histórico no cinema nacional.

MEDIDA PROVISÓRIA é um filme de 2022, dirigido por Lázaro Ramos. O longa sofreu inúmeros atrasos ao seu lançamento, cortesia da Ancine. Deveria ter estreado há pelo menos dois anos. O órgão brasileiro de cinema, aparelhado pelo governo de Jair Bolsonaro, sentou em cima da liberação do filme e fez o que pôde para atrasar seu lançamento. Outros filmes de viés político-ideológico tidos como "de esquerda" sofreram do mesmo problema, como "Marighella", de Wagner Moura, há alguns poucos anos. Isto por si só já torna o trabalho de Ramos histórico. O filme é originado da peça teatral "Namíbia, Não!" de Aldri Anunciação, que também integra o elenco.

Falando nisso, o elenco inteiro dá um SHOW, aplausos e mais aplausos. O trio principal entrega MUITO. Taís Araújo está fodástica e Alfred Enoch entrega um papel sólido e cativante na pele do protagonista principal. Seu Jorge dá um certo respiro à opressão que domina o clima do filme, mas há uma cena onde você sente o tamanho do desespero do personagem e as cicatrizes emocionais dele abertas com muita força e para mim é, de longe, a melhor cena do projeto inteiro.

Ao elenco de apoio: é impressionante como eles conseguem intercalar a potência do elenco entre a força e a resistência de artistas pretos e pretas (Emicida, Tia Má, Hilton Cobra, entre vários outros) e a opressão dos vilões, que ou não têm coragem de mostrar o rosto, ou são descaradamente racistas de cara limpa mesmo, ou contam com a hipocrisia idiossincrática à brasileira. E aqui três nomes são especiais: Renata Sorrah, Adriana Esteves e Cláudio Gabriel. Os três entregam vilões que encarnam tipos de pessoas com as quais com certeza você ou eu já nos deparamos por aí: o político ou a servidora pública que tenta a todo momento disfarçar seu racismo e falha miseravelmente, ou a dondoca de classe média que não perde a oportunidade de destilar racismo enquanto se sente a própria Martin Luther King. O filme não se contém. Gosto da composição dos três e o filme não tenta em momento algum tornar seus vilões relacionáveis de alguma forma; em vez disso, os mostra como os miseráveis que são. 

É incrível ver como Lázaro Ramos dificilmente perde a mão na direção, o cara parece um veterano. Tem muita técnica e paixão combinadas, a fotografia do filme é foda e o trabalho de som torna tudo mais impactante. Gosto também da evolução dramática dos protagonistas, especialmente o personagem de Enoch, que começa idealista e cheio de fé no sistema e termina como o completo oposto, numa das cenas mais catárticas e satisfatórias do longa. Não tem diálogo com racista, é tratar na porrada.

Só em algumas cenas deu pra ver a mão pesada da direção, tais como em momentos onde os protagonistas vão de um ponto a outro e parece que nada acontece a eles porque protegidos pelo roteiro. E acho que o roteiro também perde a mão em uma certa cena que seria suposta a ser um julgamento, uma discussão de ideias, mas que pouco evolui em algo. Talvez o diretor e os roteiristas tenham tentado evitar excesso de expositividade, o que seria uma quebra de ritmo, mas senti que essa cena poderia ter sido bem melhor. Mas isso é algo mínimo e que não compromete o trabalho de modo geral.

Medida Provisória é brilhante, um filme que consegue levar às vias de fato tudo aquilo que a população pobre e preta deste país passa diuturnamente sem parecer forçado ou surreal; ao contrário, há várias cenas e diálogos do filme que de fato são inspiradas em diálogos e fatos ocorridos no mundo real. Mais do que um filme distópico sobre um futuro, Medida Provisória é um filme que fala sobre o hoje, o aqui e agora. Ora, agressões contra pessoas pretas e pobres não acontecem todos os dias no Brasil de maneira institucionalizada e trivial, quase banal?

Interessante como este filme estreia lado a lado com o filme do Harry Potter sem Harry Potter e consegue ser muito mais potente politicamente do que o filme que se pretende político. 

Tá a fim de ir ver um baita filme e não quer dar dinheiro para a autora transfóbica e repugnante? Veja o Dino Thomas metendo porrada em racista em um filme nacional, bem mais interessante.

Nota: 9,0

Um comentário:

  1. Pois é! Eu acho que a Globo é que atrapalha o desenvolvimento artístico dos nossos atores e atrizes. Quanto ao Alfred ainda bem que ele tá seguindo projetos mais desafiadores porque How to Get Away with a Murder é uma desgraça completa. Belo texto!

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