sexta-feira, 21 de junho de 2019

Sobre gente desmemoriada

"Eu não tenho o menor interesse na opinião do povo. Quase sempre ele está errado. Aliás, a opinião de muito pouca gente me interessa. A democracia sempre foi salva pelas elites e posta em risco justamente pelo “povo”, essa entidade. Vai acontecer de novo."

Reinaldo Azevedo escreveu a frase acima, em seu blog da VEJA em texto entitulado "É Lula de novo com a culpa do povo", 13 anos atrás, quando da reeleição do ex-presidente Lula em 2006. 

Azevedo não é um contumaz defensor da ordem legal e institucional por acaso. Como todo liberal que se preze, é defensor da manutenção do status quo, qualquer que seja. A frase acima é muito sintomática deste fato. Fazendo aqui uma mera suposição hipotética: Apenas imaginem Azevedo sendo um jornalista ancorando um jornal impresso em 1888. Escravidão sendo "abolida" (entendedores entenderão as aspas) e um ano antes da proclamação da república. Será que ele defenderia a escravidão? Será que defenderia a monarquia 1 ano depois? Não seria uma suposição absurda, sendo ele legalista como é.

Esta frase acima, por exemplo, considero de uma maldade explícita. Ora, por uma perspectiva positivista, Reinaldo até estaria certo: sempre foram as elites a protagonizar os grandes acontecimentos políticos do país. Mas pela perspectiva marxista da luta de classes, fica bem mais compreensível o tamanho da crueldade: o povo sempre foi excluído das grandes narrativas positivistas. O povo quase nunca teve vez ou voz nas "revoluções" e quando teve, sofreu violentas repressões por parte do estado.

Que ninguém se engane: considero Reinaldo Azevedo um dos principais jornalistas do país. Apesar das frequentes discordâncias, acho que a coesão de ideias que geralmente pauta seu trabalho só é igualada pela sua extensa leitura e o arcabouço político, jurídico e literário que compõe seus conhecimentos.

Mas muito me preocupa a aparente admiração que certos setores da esquerda parecem estar desenvolvendo pela pessoa do âncora da BandNews FM. Alguns parecem até ter esquecido o tanto que Reinaldo bateu no PT e nas esquerdas (sendo o criador do famigerado termo "petralha").

O trabalho jornalístico de Reinaldo pode estar sendo útil agora contra o lavajatismo e as sucessivas tentativas de ruptura institucional pelo governo Bolsonaro e os desmandos cometidos pela Lava-Jato e seu líder, Sérgio Moro.

Porém, com a devida vênia, é importante lembrar-vos a todos uma coisa IMPORTANTÍSSIMA:

Reinaldo não está fazendo isso apenas porque é "defensor de ideias liberais" e tudo o mais que frequentemente bate no peito com orgulho para dizer. Está fazendo isso porque é um defensor contumaz do status quo, das leis e da ordem institucional, sejam estas quais forem. Fosse essa ordem um instrumento de opressão das classes trabalhadoras (e na verdade, em análise mais profunda, é construída para ser assim) não é muito difícil imaginar que ele a defenderia com unhas e dentes.

Na verdade, até defende. Chamou a polícia para prender a jornalista Anita Krepp em 2014 quando esta cobria manifestações anti-Dilma. O motivo? Nas palavras da própria, ela "estava tirando fotos de um vagão movimentado no qual, por acaso, estava ele". Informação verificável neste link.

E é bem fácil entender porque ele o faria. Afinal, ele disse as palavras com as quais comecei esse texto. Ele não se interessa pela opinião do "povo". Ele não é parte desse povo. É apenas um excelente jornalista do ponto de vista do trabalho que faz (e está fazendo) e que no momento atual, cumpre um papel de suma importância para a democracia, a defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. 

Mas este mesmo Reinaldo "batia" no PT (como ele mesmo diz) tacando um belo de um foda-se para a opinião de gente como você ou eu. O povo.

Essa "falta de memória" da esquerda não é de forma alguma endossada ou patrocinada pelo jornalista: ele sempre faz questão de deixar claro que não virou a casaca. Que continua sendo um autêntico liberal - isto é, com predileções pelo estado de direito burguês - e de convicções bastante conservadoras sobre certas pautas morais, como aborto e drogas por exemplo.

Não percam vossas preciosas memórias em prol de "alianças" frágeis.

Depois que acabar a guerra contra o lavajatismo, Reinaldo vai continuar fazendo o que todo bom liberal faz: defender o lobby da iniciativa privada, privatizações, manutenção da criminalização do aborto, das drogas psicoativas e a famigerada reforma da previdência (que ele já defende com unhas e dentes).

Em última instância, Reinaldo é um dos grandes responsáveis pelo anti-petismo doentio que elegeu Jair Bolsonaro e alçou ao poder a quadrilha que hoje nos governa.

Cooperação consciente, sim. Admiração desmemoriada, jamais.

A frase acima é importantíssima para que a esquerda enxergue Reinaldo como aquilo que ele de fato é, não como gostariam que fosse. E que receba seu apoio contra o lavajatismo, sem esperar nada além disso. Se tem uma esperança que podemos de fato ter a partir da "aliança" com Azevedo, essa sim é a de que pessoas fora da nossa bolha de esquerda venham a enxergar o quanto a Lava-Jato destruiu o país.

¡NO PASARÁN!

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