sexta-feira, 3 de maio de 2019

Sobre a Capitã Marvel - Algumas ponderações

O autor deste blog, que ora vos escreve, já teve algumas épocas bem ruins no que se refere a questão "construção social". 
Este blog em si já teve vários posts machistas, que pouco ou nada contribuíam para a discussão acerca de questões relevantes para a desconstrução social das pessoas e, por conseguinte, do machismo construído pela sociedade que essas pessoas compõem.

Bem, hoje em dia, não sei se posso dizer que não sou machista, uma vez que há muitas coisas sobre nós mesmos que é melhor que sejam ditas pelos outros em vez de nós mesmos nos referenciarmos. 

E essa é uma delas.

Não apago porque... Acho que para ser algo melhor é preciso lembrar do pior que você já pôde ser.

Porém, uma vez que reconheço que muitas atitudes minhas no passado foram realmente machistas, talvez até possa dizer que mudei para melhor em alguns aspectos.

Na verdade, esse texto talvez pudesse ser mais assertivo se estivesse sendo escrito por uma mulher. 

Mas, na condição de único autor deste blog e também de pessoa que se reconhece capaz de opinar sobre algum assunto - ainda que talvez não seja a melhor opinião possível dentro do espectro - cá estou, escrevendo isso na esperança de que alguém leia. 

Considerações iniciais feitas, hora de mergulhar no raso.

Capitã Marvel.

Afinal, ela é legal ou não?

Bom... Vamos pensar um pouco.

Por um lado, pode-se dizer que sim, há uma certa forçação de barra ao tentar atribuir à personagem uma relevância que ela só começou a ter, de fato, nos anos recentes dos quadrinhos.

Vou falar um pouco mais "profundamente" daquilo que eu sei. 

Resultado de imagem para Marvel Super Heroes #13O fato é que ela foi criada ainda lá pelo final dos anos 60, sendo sua primeira aparição na imagem ao lado, na revista Marvel Super Heroes #13, que introduziu o Capitão Mar-Vell. Ela apareceu apenas como Carol Danvers, a nova chefe de segurança da NASA.

Nove anos após sua criação, em 1977, ela havia se tornado uma super-humana, metade humana e metade kree, após entrar em contato com tecnologia alienígena. Ali ela se tornou a Miss Marvel, uma espécie de assistente do Mar-Vell.

Sua estreia como a Miss Marvel foi na revista Ms. Marvel #1, com seu DNA misturado ao de Mar-Vell após a explosão com o Psico-Magnetron, uma máquina kree capaz de transformar imaginação em realidade.

Houve muitos burburinhos na época sobre este quadrinho; os dois principais seriam o de que a Ms. Marvel seria o equivalente da Marvel à Mulher-Maravilha - algo um tanto quanto infundado, dado o status "inovador" da heroína da DC Comics; e também de que o título seria "visivelmente" ligado ao movimento feminista. Em se tratando de anos 1970, onde os quadrinhos eram um passatempo ainda mais ligado ao universo masculino do que nos dias de hoje, essa última afirmação até tem algum fundamento. Mas com o passar dos anos a discussão feminista evoluiu bastante, a ponto de não considerar mais como "suficiente" uma heroína super sexualizada e que poderia não ser levada suficientemente a sério pelo público. Apenas olhem o traje dela na capa ao lado e tirem suas próprias conclusões.

Pouco tempo depois ela se juntou aos Vingadores. Em outubro de 1980, na fatídica edição comemorativa #200 do primeiro título "Avengers", criado lá em 1963, Carol teve uma gravidez indesejada e deu a luz a um ser que cresceu muito rápido. Sim, a Ms. Marvel foi sexualmente constrangida. Marcus Immortus, o ser que a estuprou, fez com que ela desse a luz a uma outra versão temporal de si mesmo, criando um loop temporal em que ela engravidaria dele de novo, de novo e de novo. Esse quadrinho é tido como uma das histórias mais controversas e não-intencionalmente ofensivas da história da super-equipe - quiçá de toda a história dos quadrinhos em geral.

Em 1982, temporariamente, assumiu a identidade "Binária" após perder seus poderes em uma luta contra a Vampira, integrante dos X-Men, que absorveu suas memórias e poderes. Mas depois, voltou a ser uma integrante recorrente dos Vingadores. Participou como coadjuvante em vários eventos, sobretudo na realidade paralela criada pela Feiticeira Escarlate (conhecida como Dinastia M) e na primeira Guerra Civil, tomando parte ao lado do Homem-de-Ferro contra o Capitão América.

Resultado de imagem para carol danvers first appearance as captain marvelNo evento Vingadores VS X-Men, a Força Fênix estava atravessando o universo em direção à terra, fato ocorrido em razão de o Império Kree ter ressuscitado o Capitão Mar-Vell utilizando o cristal M'Kraan, que havia sido reparado com o poder da Fênix após um conflito que envolveu o Império Shi'ar e os X-Men. Mar-Vell se sacrifica para salvar Hala, o planeta onde viviam os Kree, pois entendeu que a Força Fênix estava se dirigindo para Hala a fim de reclamar a porção de poder que havia sido utilizada para ressuscitá-lo.

Ao fim do conflito entre os X-Men e os Vingadores, em 2012, Carol Danvers decidiu assumir o legado de Mar-Vell, se tornando assim a Capitã Marvel.

Após esta breve recapitulação da história de Carol Danvers nos quadrinhos, é possível perceber que a relevância dela sempre oscilou entre baixa e razoável, com idas e vindas entre os Vingadores, os Starjammers e os X-Men. Seu grande destaque veio de fato quando assumiu o manto do Capitão Marvel definitivamente.

Daqui em diante, é preciso explicar o seguinte: A história pregressa de Carol Danvers, sua origem nos quadrinhos do século passado, foi parcialmente desconsiderada, a partir de um retcon feito em sua origem, no quadrinho "A Vida da Capitã Marvel", escrito por Margaret Stohl. O quadrinho basicamente foi uma grata tentativa de afastar Carol Danvers da origem conectada e dependente de Mar-Vell, um personagem masculino.

Segundo o roteiro de Stohl, a personagem na verdade sempre teve DNA kree e que sua mãe seria a Capitã Mari-Ell, uma kree que foi para a terra e se relacionou com Joseph Danvers, assumindo o nome de Marie Danvers. E a explosão envolvendo o Psico-Magnetron não teria alterado seu DNA, mas sim apenas desbloqueado sua natureza Kree em seu psicológico.

Há quem não goste desse tipo de retcon, por achar desrespeitoso com a história da personagem. Por um lado eu entendo quem não goste, pois apesar de controversa, a história de Carol Danvers fortalece o significado de sua transformação na Capitã Marvel. Por outro lado, entendo e gosto da mudança feita por Stohl, no sentido de que a relevância da personagem nos dias atuais, com uma forte - e necessária - presença do feminismo na discussão sobre a participação feminina na sociedade, talvez seja incompatível com uma origem tão dependente de um personagem masculino. De modo que considero o retcon muito bem-vindo, de fato.

O mundo está mudando. Precisamos mudar junto.

Com esse contexto, creio que já podemos falar sobre a adaptação fílmica da personagem, na qual Danvers é vivida por Brie Larson.

É bom que comecemos logo dizendo que o filme não é lá essas coisas. É um divertido filme de sessão da tarde e não está entre os melhores longas do Marvel Studios. Mas meu foco não será no filme, e sim tão somente na personagem em si e em Larson.

Pessoalmente, considero a personagem legal. Ela traz consigo um certo estereótipo geralmente associado com personagens masculinos, sobretudo aqueles homens que são tidos como o ideal de virilidade do século passado: agressividade, arrogância e um alto senso de vaidade. Exemplos não faltam; Clint Eastwood em seus filmes de faroeste, Charles Bronson na série Desejo de Matar, Arnold Schwarzenegger, Chuck Norris e Sylvester Stallone em qualquer filme que fizessem nos anos 80...

PS: Menção honrosa para Linda Hamilton, que já havia feito uma personagem com esse estereótipo em "O Exterminador do Futuro 2 - O dia do Julgamento Final", Sarah Connor.

Ainda assim, esse estereótipo é muito mais comum - e por isso socialmente aceito - em homens, de modo que a Carol Danvers de Brie Larson incomoda não apenas pela falta de carisma, algo notório tanto na personagem quanto na atriz, mas também por buscar afirmação de autossuficiência. Afinal , por mais que a presença feminina na figura das heroínas não seja algo novo no cinema - e muito menos no Universo Cinematográfico da Marvel, tido como "feminista" por alguns - o conceito de filmes protagonizados por super-heroínas é algo relativamente novo.

E falo "relativamente" porque a primeira mulher a causar esse tipo de incômodo na história recente da cultura geek foi Rey, em "Star Wars Episódio VII: O Despertar da Força". Mas ainda que Rey fosse a protagonista, este era um filme de Star Wars, e não um filme da Rey. Dois anos depois, foi lançado o filme da Mulher-Maravilha, pertencente ao Universo Cinematográfico DC nos cinemas, este sim um filme-solo feminino. O filme de Diana Prince foi simplesmente um sucesso de bilheteria, arrebatando mais de 800 milhões de dólares.

A Capitã Marvel, assim como a heroína da editora rival, assumiu um filme-solo próprio, onde a história seria principalmente sobre ela. Se já existia um público tóxico que se inflamava devido a representatividade pontual de minorias nesse nicho, os dois filmes das heroínas - juntamente com Pantera Negra (2018) - puseram fogo nessa discussão.

Mas se o filme da Mulher-Maravilha (2017) - embora seja ótimo - parece mais tímido nesse papel, ainda mais pelo interesse romântico masculino de Diana fora da Ilha de Themyscira, pelo discurso um tanto "brega" relacionado ao amor e por ser um tanto tímido na discussão de questões sociais concernentes às mulheres na temporalidade em que se insere, Capitã Marvel (2019) é muito mais carregado de contestação à ocupação de espaços tidos como masculinos.


Imagem relacionada
Além disso, você consegue enxergar na Carol Danvers de Larson uma passionalidade em suas atitudes pela qual muitas vezes é criticada a psique feminina. E a forma como o filme trabalha esta característica é muito significativa, pois a coloca numa posição de empoderamento que geralmente a sociedade vigente parece querer coibir na mulher. Afinal, por que a presença da passionalidade deve sempre significar fraqueza, falta de julgamento ou incapacidade de agir da melhor maneira possível?


O fato é que a Capitã Marvel se situa entre dois "extremos". Por um lado ela é branca e loira e, esteticamente, não representa a maioria das mulheres. Nesse sentido, a representatividade pode até não ser a melhor possível. Longe disso, na verdade. Mas a Carol Danvers apresenta uma psique mais comum do que alguns gostariam de admitir.

Ela traz muito consigo a onda das mulheres atuais, que se preocupam mais com suas próprias jornadas pessoais do que em agradar e aquiescer às convenções sobre o que é ser mulher ou feminina. E por isso ela pode não ser o modelo mais interessante, como a Mulher-Maravilha e seu discurso brega sobre o amor. E também não é fofa e nem a candidata a miss simpatia dos sonhos. Ela é o que quer ser. E tudo bem com isso.

Brie Larson também tem muito disso em si. Nas entrevistas ela sempre busca essa afirmação de suficiência em relação ao lugar que busca ocupar. Assumiu muito do discurso feminista de suficiência feminina, principalmente no que se refere ao fato de as mulheres se bastarem. Em suas frases mais polêmicas, disse que este era um filme para mulheres e que a opinião de homens não interessa. Se formos analisar o sentido mais otimista da frase, que é o fato de que este filme foca mais em como as mulheres podem ser representadas, a atriz está certa: este é um filme que foca mais na desconstrução da imagem ruim da passionalidade feminina e também do estereótipo da mulher simpática, ao mesmo tempo em que consegue ser uma aventura legal e divertida.

Com relação à ideia de que "não  precisamos da opinião dos homens"... bem, é tipo você dar sua opinião e alguém dizer "ninguém perguntou".

Foda-se irmão.

Você fala se quiser e pronto. A outra pessoa escuta se quiser e pronto.

Se afetar com uma frase dessas é coisa de quem ficou com o eguinho ferido.

A atriz pode não ser a mais carismática do mundo, isso é algo a se trabalhar... mas ela está certa no sentido de que o filme não foi feito pro nerd punheteiro que reclama que a personagem não tem bunda e coisas do tipo.

Em suma... Acho a personagem legal. Tem suas qualidades, é sisuda e tem auto-confiança. E é poderosa pra CARALHO. Tomara que resolvam o que tiver a ser resolvido.

E você que não gosta dela por algum motivo, é um direito seu. Mas vá se acostumando, porque os produtores vão considerar menos o seu chororô e mais o US$ 1,1 bilhão que o filme fez.

E a presença feminina no MCU deverá ser cada vez maior.

Ainda bem.

Um comentário:

  1. Como sempre você tem um vocabulário rico e explícita muito bem sua opinião. Sem o texto ficar enfadonho e as pessoas pararem de ler no primeiro parágrafo e também o conhecimento dos quadrinhos e sua cronologia que, para mim, é humanamente impossível de entender.
    1° ponto: sobre as personalidades colocadas tanto da mulher maravilha (a que eu assisti) e Capitã Marvel (a que eu não assisti) existe a dualidade nas interpretações da personalidade e do caráter feminino. Por exemplo, se uma mulher chora muito ela será vista como fraca e essa característica é até esperada pelo fato de ela ser mulher. Por outro lado, se ela não chora ou não demonstra sentimentos enquanto vida cotidiana ela será vista como frígida e será "menos" mulher que aquela que chora. Entretanto, ambos aspectos estão ligados ao que é ser humano e a mulher, como um ser humano, dependendo das situações, que são inúmeras, poderá chorar ou não. Sem falar nas probabilidades em que uma mulher não costuma chorar tanto e chora e na que chora não chorar, em determinados momentos, sendo assim...... A mulher que chora e a que não chora são AMBAS mulheres e também seres humanos.
    2° ponto: a questão da representatividade. Enfaticamente, palavras como empoderamento, representatividade e minoria foram, nos últimos 3 anos, levadas a um patamar de seriedade notório e quando observamos dentro da loja mercantil esses valores ou discursos são AMPLAMENTE explorados e o estímulo a novas produções que deixam MUITO, MUITO a desejar no roteiro, mas por enquadrar essas dimensões passam no critério da maioria. É lógico, quando olhamos para a TV ocidental vemos a presença massiva de populações brancas e não somente no contexto midiático mas em todos os espaços da vida cultural. Isso é nada mais e nada menos do que a imagem do poder. Entretanto, esse debate para se tornar confuso para alguns. Enfim, não irei mais me estender!
    Abraço.

    ResponderExcluir