Hamilton e o clique da discórdia (Foto: AP) |
A foto que mostra Lewis Hamilton
espirrando champagne numa modelo chinesa durante a cerimônia de premiação do GP
da China ganhou repercussão internacional depois que a líder de uma ONG de
ativistas contra o sexismo, chamada de "Object", criticou a atitude
do inglês.
Segundo a diretora-executiva da ONG,
Roz Hardie, a modelo chinesa não parecia confortável com aquela situação.
"As fotos parecem mostrar não só que o champanhe está sendo muito
especificamente direcionado para o rosto dela, como não parece que seja uma
brincadeira voluntária por parte dela. Para a maioria das pessoas, é evidente
que ela não está gostando. Se este for o caso, pensamos que Lewis Hamilton
deveria pedir desculpas por suas ações e pensar cuidadosamente sobre como deve
se comportar no futuro", disse Hardie.
E continuou: "O automobilismo
parece retratar, desnecessariamente, as mulheres como objetos sexualizados. E
isso provavelmente faz com que seja ainda mais difícil para as mulheres se
defenderem. Esperamos que as pessoas desta indústria sejam mais respeitosas com
elas".
"Certamente é uma posição muito
difícil ser uma grid girl e ela não tinha muita opção a não ser permanecer ali
e aguentar. É algo que ele deveria estar ciente. Mas em vez disso, ele parece
ter abusado de sua posição. É lamentável que uma grande vitória tenha sido marcada
por aquilo que parece ser um comportamento egoísta e arrogante", concluiu.
Mas vamos nos debruçar sobre o tema e
analisar, na declaração, o que pode ser classificado como fato e o que é
puramente "mimimi" da ativista, ou seja, onde ela pira na batatinha.
Vejo Fórmula 1 há muitos anos. Pelo que
posso me lembrar, desde o final dos anos 90. Por aí já vão coisa de 15 anos
assistindo corrida.
O ambiente da Fórmula 1 já não me era
muito diferente dos dias de hoje, salvo algumas coisas aqui e ali. As
grid-girls sempre estiveram presentes, desde antes de eu começar a ver corridas
e, se é verdade que hoje elas são objetificadas a ponto de chegar uma ativista
de ONG para criticar, em épocas mais remotas do automobilismo, então, Hardie
teria visto cenas verdadeiramente estuporantes. Avaliem se estivéssemos nos
anos 70, com o hedonismo marcado pelas peripécias de pilotos como o playboy
James Hunt, campeão de 1976.
Mulheres eram, verdadeiramente, objetos
de promoção de um ambiente completamente dominado pela libertinagem e sem o
menor traço de policiamento de conduta. Isso podia até deixar a F1 mais
autêntica, mas ao mesmo tempo a caracterizava como uma espécie de
terra-sem-lei, uma Las Vegas do esporte a motor, onde tudo é permitido, doa a
quem doer.
Concordo que nessa fase do
automobilismo ainda haja certa objetificação das mulheres, por parte de gente
estúpida nesse meio, mas a Fórmula 1 mudou radicalmente - muito por causa de um
sujeito chamado Bernie Ecclestone, vamos admitir. O baixinho modernizou a
Fórmula 1 e um dos benefícios disso é que, se hoje ainda vemos grid girls,
também vemos (muito) mais mulheres trabalhando naquele meio como engenheiras,
repórteres, atendentes, profissionais de marketing, assessoras de imprensa
etc.
Na F1 pós-Ecclestone, isso mudou
drasticamente. Não só o tratamento às mulheres, marca de um esporte que
precisava se modernizar junto ao tempo e ao mercado, mas também o comportamento
dos pilotos, que antes pareciam mais uns broncos que pouco se preocupavam com
saúde ou longevidade, hoje são uns verdadeiros atletas. e os mecânicos, se
antes vestiam-se como quem ia para uma colônia de férias, hoje são quase uns
stormtroopers, trajados adequadamente em relação às medidas de segurança que
este esporte exige. Obviamente há exceções aos estereótipos citados acima, mas
certamente eram estes os mais comuns entre os profissionais que outrora faziam
este esporte acontecer.
Senão. vejamos: A responsável pela
assessoria de imprensa do melhor piloto de todos os tempos, Michael Schumacher,
é, ora vejam, uma mulher: Sabine Kehm. Até chefe de equipe mulher a F1 tem
atualmente: Monisha Kaltenborn, na Sauber. Fez suas besteiras no caso Giedo van der Garde,
mas não é a pior chefe de equipe que eu já vi.
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Aliás, quem aqui se lembra da
simpaticíssima Gill Jones? Eu lembro. Ela é - ou foi - a engenheira responsável
por comandar o setor de eletrônica da Red Bull - uma equipe que viria a se
tornar tetracampeã consecutiva - e, em 2013, por ocasião de uma vitória de
Sebastian Vettel em 2013, no Bahrein, Jones foi a escolhida para representar a
equipe no pódio, para receber o troféu da equipe vencedora entre os construtores.
E o curioso é que foi numa cerimônia sem champagne - devido às rígidas leis
sobre o consumo de álcool em solo barenita.
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Percebemos, pois, um cenário que, se
por um lado ainda promove certa objetificação das mulheres em relação ao corpo,
também valoriza o suor feminino em diversos outros aspectos.
Agora, com relação à polêmica em
Shanghai: Eu vi a corrida. E vi o pódio. Além da modelo chinesa, Hamilton
borrifou o champagne em Rosberg, no rival Vettel, no engenheiro da Mercedes e
nos mecânicos e demais integrantes do time alemão. E não é uma particularidade
do piloto inglês. É uma brincadeira recorrente entre os pilotos que compõem o
pódio.
A "guerra da champagne" é uma
tradição que existe desde tempos imemoriais - ou seja, quase desde a época em
que o mundo do automobilismo se estabeleceu. Todos os pilotos que chegaram a
compor o pódio da F1 fizeram e fazem isso. É o regozijo máximo do profissional
que fez um árduo trabalho na pista e que tem ali um momento para dar lugar ao
extravaso e à sensação de satisfação com a vitória. Um dos últimos resquícios
de uma F1 não tão ortodoxa.
Não houve sexismo algum na procedência
de Hamilton e tampouco no ato de jogar champagne na garota. Houve apenas o que
todo piloto tem vontade de fazer quando chega ao pódio, ainda mais quando
vence: Esborrifar a bebida alcoólica em quem ele puder. E não há nenhum desconforto comprovável que sustente a acusação, seja pela expressão facial que a modelo faz ao levar a borrifada de champagne, seja por qualquer coisa que tenha sido dita por ela ou suas companheiras de profissão.
Sou a favor da luta contra todos os
tipos de sexismo, mas é preciso direcionar melhor essa luta e não ficar dando
"tiros ao vazio", como muito bem definiu o jornalista Fábio Seixas. É
preciso lutar contra o sexismo de verdade e não criar uma situação absurda como
esta, querendo atribuir a um profissional uma conduta que ele nunca chegou a
praticar ou encorajar.
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