Na atual conjuntura do campeonato mundial de Fórmula 1, é consenso absoluto que o espanhol Fernando Alonso é um dos, senão o mais capacitado piloto, e sem dúvida ocupará lugar na lista dos melhores pilotos de todos os tempos por muito tempo. Talvez até para sempre.
Cirúrgico dentro das pistas, o bicampeão é um piloto centrado, que se adapta a praticamente qualquer carro e tira o máximo que o bólido permite. Isso foi comprovado durante sua atribulada passagem pela Ferrari, durante os anos de 2010 a 2014.
Sua capacidade de adaptação às dificuldades dos carros que pilotou lhe rendeu dois vice-campeonatos mundiais, em 2010 e 2012, sendo derrotado em ambos os anos pelo alemão Sebastian Vettel, à época na Red Bull.
Mas o espanhol é piloto para muito mais do que dois vice-campeonatos mundiais num período de cinco anos. E disso todos sabemos. Alonso, contudo, já totaliza doze anos de Fórmula 1. E seu primeiro título mundial, em 2005, está às vésperas de completar 10 anos. A pergunta que se faz em cima disso é: Se Alonso é tão único como piloto, por que não ganhou 3, 4 ou até mais títulos mundiais?
"Azar", dirão alguns. "A McLaren queria Hamilton campeão", outros dirão. Ainda poderão dizer que "as Ferrari que ele pilotou eram todas uma merda só".
Algumas coisas não deixam de ser verdade. Mas é preciso entrar mais fundo nessa questão.
Fernando Alonso estreou pela Minardi e, depois de um ano fora da Fórmula 1, foi para a equipe Renault em 2003. O italiano Flavio Briatore comprou a natimorta Benetton em 2001 e a rebatizou com o nome da fabricante francesa em 2002, na intenção de fazê-la campeã em cinco anos.
Demorou um pouco menos e, em 2005, se aproveitando das mudanças do regulamento, Renault e McLaren fizeram grandes carros e deixaram a poderosa Ferrari para trás. Alonso, talentoso que era, logo despontou e desembestou a vencer, e sobrepujou a concorrência do velocíssimo Kimi Raikkonen para alcançar seu primeiro título. Um ano depois, com a Ferrari revigorada, mas com um Michael Schumacher às vésperas da aposentadoria anunciada, o espanhol tornou a vencer o campeonato mundial.
Naquele momento, Alonso era o melhor piloto do mundo e sabia disso. Sua carreira ia de vento em popa. O espanhol assinou com a McLaren para 2007 e, ao que tudo indicava, ele manteria a faixa de campeão mundial com sobras.
Fernando queria o também espanhol Pedro de la Rosa para continuar, mas Ron Dennis não poderia aceitar dois espanhóis sob seus feudos. Assinou com um garoto que tinha acabado de ser campeão na então recente categoria GP2 Series, derrotando Nelsinho Piquet.
Um tal de Lewis Hamilton.
Mas isso não parecia preocupar o pomposo espanhol, que estava com o ego nas alturas.
E, de fato, o ano começou melhor para ele do que para seu companheiro estreante. A disputa parecia ser mais entre ele e a dupla da Ferrari, formada por Felipe Massa e Raikkonen.
Mas um consistente Hamilton começou a meter o bedelho onde não era chamado. Foi constante. Conquistou pódios e começou a vencer com certa constância. Ficou na frente de Alonso durante boa parte do campeonato.
Era demais para o gigantesco ego do espanhol.
Paralelamente, a McLaren se envolveu num imbróglio de proporções astronômicas, com comprovada espionagem cometida contra a rival, Ferrari, no que ficou conhecido como spygate. Alonso teria ameaçado Ron Dennis de jogar a merda toda no ventilador caso ele não controlasse a impetuosidade e a ousadia de Hamilton.
Resultado: a McLaren acabou expulsa do campeonato de construtores (por pouco não teve que desistir do de pilotos também), recebeu uma multa de US$ 100 milhões e ainda contou com a afobação de Lewis Hamilton nas provas finais. O inglês cometeu erros de principiante (como ele próprio era naquele ano) e terminou como vice-campeão de Raikkonen. Alonso terminou em terceiro.
Logicamente, o clima na McLaren azedou para Alonso e lá ele não podia mais continuar. Fernando quebrou o contrato com a escuderia inglesa, que iria até 2009. e acabou voltando para a Renault, que se desmantelara desde a saída do espanhol,
Aqui, o que acabou sendo um grande erro de decisão carreira de Fernandinho. Além da Renault, a Red Bull também lhe ofereceu uma vaga em seu time para 2008. Como o time do energético ainda não era essa coca-cola toda, o espanhol ingenuamente negou a oferta e foi para a decadente equipe francesa.
Um erro que se provou terrível para dois aspectos da carreira de Alonso: Seu futuro como piloto e sua imagem. Primeiro porque a Red Bull dispunha de ninguém menos que Adrian Newey como projetista, e em 2009 o regulamento técnico da F1 passaria por drásticas mudanças, dando a chance de uma reviravolta na hierarquia da categoria entre as equipes.
Foi o que aconteceu. O regulamento mudou totalmente e algumas equipes se sobressaíram em relação às demais, como Brawn, Williams, Toyota e... a Red Bull. Mas a equipe austríaca foi a que mais se beneficiou das mudanças e terminou 2009 com o melhor carro do ano. E quem estava lá, para dispor de tão bom equipamento, era um jovem chamado Sebastian Vettel, que viria a se tornar a maior pedra no sapato de Alonso.
Já a detratação da imagem de Alonso foi causada pelo envolvimento com Flavio Briatore em 2008. O espanhol vinha fazendo um campeonato razoável com a decadente Renault, até que surgiu a oportunidade de vitória no GP de Cingapura de 2008, causada pela entrada do carro de segurança na pista, ocasionada por um acidente do companheiro do espanhol à época, Nelsinho Piquet. A vitória se concretizou.
No ano seguinte, porém, Reginaldo Leme, da TV Globo, deu um furo durante a transmissão do GP da Bélgica de 2009. Segundo informações do jornalista, o acidente, ocorrido na 14ª volta daquele GP, teria sido premeditado pelo dirigente italiano, para causar a entrada do SC naquela volta, para beneficiar Fernandinho. O nome do asturiano foi envolvido no imbróglio pelo fato de ter sido o principal beneficiado pela tramoia. Alonso, é claro, nega qualquer envolvimento ou cumplicidade com a forma como Briatore conduziu a situação, e não foi punido.
É presumível que a maioria dos leitores deste artigo saibam de cor e salteado a continuidade dessa história, mas como vira e mexe eu divulgo meu blog para algumas pessoas interessadas no que escrevo, mas que não entendem tanto sobre as corridas, vale explicar que Flavio Briatore foi expulso do automobilismo mundial, tendo posteriormente este banimento sido cancelado meses depois. A Renault foi punida em dois anos de suspensão com sursis (termo jurídico para uma espécie de liberdade condicional).
Dois dos maiores escândalos da história da Fórmula 1 em menos de dois anos. Isso não foi suficiente para abalar a imagem do bicampeão Alonso. Com a Renault sem vistas para melhoria e defasada pelo clima instaurado pelo que ficou conhecido como "
CingapuraGate", Fernando Alonso foi parar na Ferrari. Uma decisão que se provou errada (mais uma) ao longo dos anos subsequentes.
As especulações em cima da entrada de Alonso na Ferrari eram as melhores possíveis. Esperava-se que ele repetisse o sucesso de Schumacher. E até parecia que seriam, pois a Ferrari realmente foi competitiva em 2010, permitindo a Alonso vencer cinco provas e marcar algumas pole-positions. Mas o espanhol abriu a cortina de outro escândalo.
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Alonso comemora sua polêmica vitória em Hockenheim sem o menor impedimento, ao lado de um constrangido Massa |
Durante o GP da Alemanha, Fernando fez várias reclamações via rádio para a Ferrari, pois seu companheiro, Felipe Massa, que estava na liderança, não lhe cedia a ultrapassagem. "This is ridiculous" berrava Alonso no rádio. Até que a Ferrari ordenou a Massa que lhe cedesse a posição. E Alonso foi embora rumo ao seu segundo triunfo no ano. Comemorou como se não houvesse amanhã, sem constrangimento algum pelo que havia causado. Se a pecha de mau-caráter ainda não colava devido ao envolvimento nos escândalos anteriores, agora sim o grude havia surtido efeito.
Mas teria sido campeão, não fosse o russo Vitaly Petrov, que lhe negou a passagem e, consequentemente, um provável tricampeonato no GP de Abu Dhabi, última prova do ano. O título acabou nas mãos de Sebastian Vettel, por apenas 4 pontos de diferença. Para alguns, apenas justiça que foi feita. E a imagem do espanhol ficou ainda mais defasada, pois ele levantou a mão em furiosa insatisfação contra o russo Petrov, que estava apenas fazendo sua própria corrida de maneira limpa.
Acabado o campeonato de 2010, a Ferrari de fato tinha voltado a ser competitiva, e esperava que essa curva continuasse em ascendência. Mas os anos seguintes provaram o erro em pensar assim. Alonso sofreu com um carro fraco em relação às Red Bull em 2011, vencendo apenas o GP da Inglaterra daquele ano.
No ano seguinte, voltou a disputar o título, vencendo três provas e perpetrando uma regularidade que quase lhe garantiu finalmente seu terceiro título mundial, mas viu a oportunidade cair por terra em decorrência de dois acidentes que lhe fugiram à responsabilidade, nos GPs da Bélgica e do Japão. E perdeu o título mundial por três pontos, novamente para Vettel. No ano seguinte, voltou a sofrer com uma performance deficiente da Ferrari e viu seu maior rival até então se consagrar o mais jovem tetracampeão da história da Fórmula 1.
Mas a mais notória característica de Alonso nesse período como piloto da Ferrari não foi outra senão a verborragia. Era comum ver o espanhol desabafando para a imprensa sobre tudo: sobre as deficiências de seu time, ou fazendo rasteiros jogos psicológicos contra Vettel, dando declarações de auto-ajuda de tias de meia-idade...
A paciência da Ferrari com seu protegido durou até certo ponto, porque havia alguma razão em suas palavras. Mas atacar o time de forma tão escancarada definitivamente não pegou bem em Maranello, principalmente depois que a chefia mudou em 2014: Saiu Stefano Domenicalli e entrou Marco Matiacci. Em resumo, Alonso era um baita de um piloto na pista, mas um péssimo contribuinte para a equipe.
Trabalhos em grupo deliberadamente não são seu forte. Egocêntrico e com o rei na barriga, o a personalidade do espanhol não era o que sua equipe precisava para mudar os rumos. Ao mesmo tempo, o temperamento dele não ajudava: Exigiu um salário astronômico para ficar na equipe. Matiacci não aceitou e deu-lhe um pé na bunda.
Alonso está às vésperas de completar 34 anos e seus dois títulos do tempo do ronca obviamente não fazem jus à sua capacidade como piloto, mas dizem respeito a uma tendência virtualmente incorrigível para tomar decisões erradas para seu futuro profissional. Sim, pois apostou num retorno à McLaren, que agora está equipada com motores Honda.
Ah, a Honda. Voltou toda cheia de pomposidade, fazendo um show de pirotecnia cinematográfica e um fabuloso alarde sobre a volta dos bons e velhos tempos com sua velha parceira McLaren, Ron Dennis à frente. Contratou Alonso!
Mas era tudo alarde, mesmo.
Os japoneses passaram um ano coletando dados da McLaren e tiveram esse tempo todo para produzir seu motor. E o que aconteceu? Produziram um motor que superaquece facilmente e que não conseguia completar muitas voltas em sequência sem quebrar. Amargaram várias vezes a lanterna dos testes e andaram menos que a Force India.
Como se não bastasse, no primeiro dia da última bateria de testes coletivos, Alonso sofreu uma concussão cerebral em decorrência de um acidente com o MP4/30 e ficou de fora do GP da Austrália. As suspeitas de que Fernando teria sofrido um choque dentro do carro pairam desde então, e não são poucas as vozes que a sustentam.
Chegando a Melbourne, ainda havia a esperança de que a equipe finalmente andasse bem e calasse a boca de meio mundo, apostando numa melhoria súbita como a que aconteceu com a Red Bull.
Nada disso aconteceu.
A McLaren-Honda era lenta. Muito lenta. Lenta demais da conta, sô. Na classificação, Jenson Button e Kevin Magnsussen foram aproximadamente 5 segundos mais lentos que a Mercedes de Hamilton. Arrumaram tempos que lhes garantiriam as primeiras filas no GP da Austrália de... 1997!
Pois é. Olha a encrenca em que Alonso se meteu. Talvez a mais errada de todas as muitas decisões erradas que Alonso tomou em toda a sua carreira. E há a suspeita de que o espanhol quebre o contrato hoje existente com o time e não corra mais, para não ter de amargar as últimas filas pelo restante da temporada.
O fato é que esta foi mais uma prova da incapacidade de Alonso em decidir corretamente seu futuro profissional. Antes fosse só azar. Não aceitar a oferta da Red Bull em 2008 para assinar com a Renault não foi azar, como também não o foi a decisão de ir para uma McLaren empurrada por uma Honda que ainda tem um longo e tortuoso caminho pela frente.
Um erro que, aos 33 anos e sem ter mais muito tempo a perder, Alonso não poderia se dar o luxo de cometer, e que põe em evidência a possibilidade de o espanhol encerrar sua carreira apenas com dois títulos, mesmo.
Lamentável para ele e seus fãs, que tanto o adoram.