Este texto NÃO será uma review completa de Bloodstained, e sim apenas um relato da minha experiência com o jogo desde a primeira vez que joguei.
Já falei algumas vezes sobre jogos aqui, é bem legal tirar um tempo para conversar sobre jogos que gostamos. Gosto de jogos desde que me entendo por gente, mas admito que a maioria dos que joguei, o fiz depois de mais velho, nos últimos 10 anos. Isso acontece porque não tive muito acesso a consoles ou um PC decente quando mais novo, e isso me fez perder bastante dos jogos. Apesar disso, tinha locadoras de videogame próximas à minha casa e por isso eu não fiquei totalmente à parte da diversão eletrônica. Mas só fui conhecer alguns dos meus jogos favoritos só quando comecei a ter acesso a emuladores no PC.
E um dos que eu mais gostava era o emulador de Playstation. Se joguei muito Top Gear no Super Nintendo de meu irmão quando ia para a casa dele, o Playstation foi definitivamente o console com o qual mais tive contato/afinidade, especialmente os jogos de Crash, pois era o que tinha. Mas com o emulador em mãos, procurei outros títulos. E um dos que eu já tinha visto quando mais novo era Castlevania: Symphony of the Night, que havia sido lançado pela Konami em 1997. Um jogo que eu achava feio e antiquado na época do começo do 3D, pois o início da era dos jogos tridimensionais fez com que jogos 2D parecessem esquisitos para o público. Ainda hoje eu me deparo com pessoas que dizem que esse jogo é feio, o que é... esquisito. Bem, não preciso falar o quanto eu mudei de opinião: Symphony é um dos melhores jogos já feitos e salvou o 2D do limbo existencial, permitindo a continuidade do estilo com toda a força, em vários títulos, entre os quais Hollow Knight, Touhou Luna Nights, Record of Lodoss War e vários outros. Contudo, os anos se passaram, e embora o gênero Metroidvania (estilo fundado por Symphony e Super Metroid) tenha se tornado um dos mais populares dos videogames e Castlevania tenha tido vários títulos nos anos 2000, quase todos eles sucessos de vendas, a franquia hoje vive um limbo existencial devido à negligência da Konami. Essa é uma história longa e esse preâmbulo já está ficando grande demais.
Bom... ao jogo que dá título ao texto. Bloodstained Ritual of the Night foi criado por Koji Igarashi, criador de Symphony. Ele procurou várias empresas para tentar financiar o jogo, mas no fim, fundou o projeto no Kickstarter. Como os fãs de Castlevania estavam passando fome de jogos novos da franquia, enfiaram bufunfa até no rabo do Iga e no fim deu tudo certo e com sobras. Foram anos de desenvolvimento, mas finalmente o jogo ficou pronto em 2019 e foi lançado. Eu só fui jogar um ano depois, em 2020, quando a pandemia começou. Baixei no torrent. É um tipo de coisa que eu não recomendo para jogos independentes, mas eu estava sem dinheiro na época (continuo fodido hoje em dia, risos) mas depois comprei o jogo, a DLC e até a trilha sonora.
Por isso daí, já dá pra saber que eu gostei pra caralho do jogo, não?
Pois é. Gostei muito, foi um deleite jogar este jogo com a experiência de ter jogado alguns Castlevanias. Este jogo é feito para os fãs da série dos Belmonts, sem tirar nem por. Todos os aspectos foram devidamente inspirados. O jogo tem uma estética visual maravilhosa e cheia de charme. com a protagonista, a fragmentária Miriam, sendo estilosa, elegante, poderosa e sexy sem ser vulgar. Poderíamos discutir objetificação feminina aqui mas eu prefiro evitar a fadiga. E Miriam não chega nem perto de ser a personagem mais objetificada que já vi em jogos. Eu a acho até bem comportada. O visual gótico remetente à Europa do século XVIII é bem característico, embora não único, e traz ao jogo um certo ar de erudição.
A trilha sonora de Michiru Yamane é um espetáculo à parte. Depositei muito amor nessa trilha, até mesmo gastando meu suado dinheirinho para consumi-la legalmente (ih ala, ele paga por música, risos). E realmente é uma trilha marcante. Não apenas porque repete muito do estilo musical de Symphony, mas eu consigo ver personalidade nessa trilha. Algumas faixas são verdadeiramente sombrias e assustadoras. É um conteúdo cheio de personalidade. Yamane realmente sabe fazer uma bela trilha. Michiru tem a parceria de alguns outros compositores, mas assina o trabalho como titular. Entre estas, há quatro trilhas que me marcaram muito e que estão entre as que eu mais escuto no celular: Voyage of Promise, Luxurious Overture, Vestiges of Corruption e Attack of the Grotesque.
Não tem o que falar, na parte audiovisual, Bloodstained joga seguro.
Valac, o demônio dos dragões gêmeos: um desafio bem complicado e que tem um golpe que te mata instantaneamente, não importa a quantidade de vida que você tenha! |
A gameplay é recheada de novidades e várias pequenas piscadelas para fãs, com vários "fragmentos" que funcionam como o sistema de almas de títulos como Aria of Sorrow ou as cartas de Circle of the Moon, uma quantidade absurda de itens variados, armas, alimentos que servem como cura e até um sistema de crafting relativamente engenhoso, mas um pouco intrusivo demais às vezes. Os chefes impõem algum desafio, principalmente no começo do jogo, e fazem você realmente desenvolver uma estratégia. Atacar a esmo é suicídio. Falo isso porque há metroidvanias que não conseguem fazer suas lutas contra chefes serem minimamente desafiadoras.
Já a progressão... ela é embaçada. Ela não é tão confusa quanto Symphony of the Night, mas deixa a desejar por dois motivos: primeiro, ela não é tão óbvia em alguns momentos, fazendo você viajar de um canto a outro do mapa na lenta velocidade do passo da protagonista. Segundo, ela às vezes pode ser um porre, pois se você não está acostumado com jogos à moda antiga, neles você tinha que salvar seu progresso manualmente. Não salvou? Volta para o último salvamento que fez. Derrotou aquele chefe chato que te rasgou a alma e o orgulho e te fez morrer mais do que o Kuririn, mas não salvou o progresso e morreu? Se fodeu. Vai ter que lutar com ele de novo. Eu era acostumado com isso, mas os jogos atuais são tão recheados de pontos de salvamento automático que você fica desacostumado quando aparece um jogo como esse. E esse jogo pode ser bem difícil se você não estiver nos níveis certos e com os equipamentos certos.
Sobre a história, bem... segue a mesma estrutura narrativa de todos os Metroidvanias de Koji Igarashi. É uma história manjada e só é sólida o suficiente para amarrar uma ponta da gameplay na outra, pois segue as mesmas batidas de roteiro: seu personagem começa fraco, vai ficando mais forte a medida que mata os inimigos, aparece um chefão falso para você derrotar, você precisa achar um item especial que lhe faça ver através do chefão falso para atingir quem ou o quê o está controlando, e depois precisa encarar uma nova área especial para derrotar o verdadeiro vilão, e só então encerrar o jogo com seu final verdadeiro. É um estilo tão característico do desenvolvedor que hoje jogos desse tipo são chamados de Igavanias. Podemos dizer que é uma história bem preguiçosa e que Igarashi é pouco criativo com as narrativas de seus jogos? É... Talvez sim. Mas sinceramente? Não me incomoda muito. Eu acredito que não haja tanto prejuízo em insistir nessa estrutura de roteiro. Eu gosto do que é apresentado aqui e consigo me divertir horrores com esse novo universo criado por Iga, mesmo ficando chateado às vezes jogando o jogo.
Encaro este jogo como o Castlevania desta geração que a Konami nunca quis fazer, ocupada que está com jogos de azar e mobile. Sei que nos últimos anos foram fundados diversos metroidvanias muito melhores e inclusive muito mais baratos do que Bloodstained e que ele não é nada muito especial para um jogo, e que Iga não é o desenvolvedor de jogos mais criativo do planeta, preso ao jogo que o alavancou ao sucesso. Mas ao mesmo tempo, consigo ver que o cara tem amor pelos jogos que faz e coloca os melhores esforços para fazer bons conteúdos. Não é um aproveitador que faz jogos ruins propositalmente para ganhar dinheiro às custas da má fama do jogo. Igarashi, goste-se ou não, é uma lenda, pois conseguiu capturar a imaginação de uma legião de fãs.
Uma boa parte desses fãs vai defender Ritual of the Night como a ressurreição de Cristo, um jogo perfeito e intocável em seus próprios méritos. Outros irão dizer que Bloodstained é uma decepção absoluta, um jogo absolutamente preguiçoso e sem graça. Eu, sinceramente, sei que o jogo não é nada demais quando comparado a outros do mesmo gênero, mas continuo realmente conseguindo aproveitar bem. Sem falar que todas as promessas do Kickstarter estão sendo cumpridas, o que é realmente o tipo de coisa que mostra o quanto o desenvolvedor respeita seus fãs. Inclusive, uma das coisas pelas quais Igarashi é conhecido é por solicitar aos fãs que não poupem os criticismos pesados ao material, tendo inclusive corrigido alguns problemas apontados pelos fãs. É um projeto feito com carinho e dedicação e que tem muito charme próprio.
No fim, é um feijão com arroz que satisfaz e deixa o coração quentinho, com uma sensação de porto seguro para fãs que sofreram o pão que o diabo amassou nas mãos da detentora da franquia original.
Nem sempre é Shakespeare, mas é genuíno.
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