TUBARÃO - filme de Steven Spielberg (1975)
É particularmente difícil de acreditar que um filme como este possa ter sido concebido numa época em que não havia CGI (imagens geradas por computador), e com um orçamento de apenas US$ 10 milhões, hoje impensável para qualquer obra hollywoodiana do gênero.
Mas aconteceu.
“Tubarão” (Jaws, no original) praticamente inventou o conceito do “blockbuster” de verão norte-americano, com uma aventura sólida e muito bem desenvolvida. Este foi um dos primeiros trabalhos do então novato diretor Steven Spielberg, que aqui provou que não estava para brincadeiras. Utilizando a inventividade criativa com animatrônica que, quase 20 anos mais tarde, o consagraria ainda mais em “Jurassic Park”, Spielberg criou um clássico atemporal que mudou para sempre o imaginário popular sobre praias e banhos no mar.
O roteiro, baseado no livro homônimo de Peter Benchley, é bem simples e sem invencionices. Amity é uma cidadezinha litorânea, que depende essencialmente das atividades turísticas de verão para gerar renda e se sustentar, mas tudo muda quando um tubarão gigante decide se instalar por ali e encher a pança com mergulhadores. E o filme não demora a estabelecer essa problemática, com o bicho “aparecendo” nos minutos iniciais.
Mas por que “aparecendo” entre aspas?
Porque, visualmente, ele não é mostrado. Durante as filmagens, a produção teve um grande problema: o tubarão animatrônico se desfazia rapidamente debaixo d’água. Esta seria uma limitação fatal para qualquer diretor. Mas Spielberg não era qualquer diretor. A solução encontrada? Não mostrar o tubarão. Simples, não? Colocar uma câmera em primeira pessoa para simular a visão do tubarão e tudo o mais... Mas poderia falhar miseravelmente sem dois fatores adjacentes poderosos que, neste caso, foram cruciais. A primeira – e quase sempre lembrada – é a inesquecível trilha sonora de John Williams. Conhecido futuramente por trabalhos como “Star Wars”, “A Lista de Schindler” e “Jurassic Park”, Williams aqui faz músicas perfeitas para cada situação e sensação do filme, passando irretocavelmente pelos gêneros de aventura, suspense e terror. Mas isso não é tudo: a trilha sonora principal praticamente toma a forma do próprio tubarão como personagem na maior parte do tempo, fazendo o papel de anunciar ao público que a fera está ali, mesmo que não o estejamos vendo. Isso é estabelecido de forma eficiente desde as primeiras cenas a ponto de, nos momentos mais adiante, já nos condicionar a esperar novas aparições da criatura, em um exemplo muito esperto de condicionamento clássico (ou pavloviano). Uma trilha sonora que ganhou o imaginário popular pelos anos subsequentes e se tornou sinônimo do próprio suspense como um todo.
Já o segundo fator geralmente não é tão lembrado assim nas críticas, mas deixar de falar dele é um imenso pecado. É claro que me refiro ao trabalho de montagem da editora Verna Fields. Filmar e editar cenas com o animatrônico naquela época provavelmente não era uma tarefa nada simples, e isso engrandece ainda mais o trabalho de Verna. Praticamente não dá para sentir os cortes e o bicho parece ainda mais verossímil, tanto mostrado em cena quanto apenas sugerido através da câmera em primeira pessoa. Um trabalho genial de montagem, que rendeu a Verna o Oscar de melhor edição de 1976.
O roteiro não tem qualquer pressa em apresentar os personagens e estabelecer conflitos e, assim, os faz parcimoniosamente. Isso garante ao filme várias camadas de desenvolvimento que vão além do problema mais proeminente da trama, passando pela aventura e até mesmo pelo humor em algumas cenas, o que potencializa os momentos de suspense e de terror.
Os personagens são muito bem construídos e possuem estereótipos bem claros, mas passam longe do unidimensional, principalmente os principais. E isso nos leva ao outro grande forte do filme: o elenco. Roy Scheider cumpre satisfatoriamente o papel do chefe de polícia Martin Brody e sua atuação é perfeita ao mostrar a paranoia que seu personagem sente a partir das notícias do primeiro ataque, e isso vai aumentando gradativamente conforme a ameaça do tubarão vai ficando cada vez maior e mais iminente. O personagem de Richard Dreyfuss contribui ainda mais com essa paranoia; conforme o desenrolar dos acontecimentos, o oceanógrafo Matt Hooper dá pistas cada sobre o tamanho do perigo que eles irão enfrentar. Mas este círculo não ficaria completo sem o competentíssimo Robert Shaw: seu personagem Quint é sisudo e valentão, e confronta diretamente o pragmatismo dos outros dois personagens, mas ao mesmo tempo traz uma colaboração primordial para o que será o confronto final com a criatura, que passa tanto pela vastidão de suas habilidades de caça quanto pela profundidade dramática de suas experiências – e aqui, especificamente, temos uma das melhores senão a melhor cena do filme todo – tudo graças a uma grande performance do ator. Também estão muito bem Lorraine Gary como Ellen Brody, esposa de Martin e um apoio emocional necessário ao protagonista, e Murray Hamilton como o prefeito Larry Vaugh, este último retratado de maneira algo vilanesca por se preocupar muito mais com o retorno financeiro das atividades de veraneio da cidade do que com o perigo da situação, mas posteriormente redimido pelo roteiro. Sua preocupação, afinal pode parecer mesquinha – e é, em primeira análise – mas ele cede ao bom senso no final das contas.
Mas todo esse texto seria inútil se não falássemos do clímax do filme: e é aqui que, depois de toda a paciência do diretor ao construir os dois primeiros atos, temos finalmente o embate final. E Spielberg sabia que, em algum momento, teria de mostrar o monstro em todo o seu poder e glória. Quando ele finalmente aparece, o baque é chocante. Em uma primeira experiência, no mínimo arregalamos os olhos, e nossos semblantes se assemelham ao de Brody quando ele diz para Quint a famosa frase: “você vai precisar de um barco maior”. O terceiro ato é extremamente ágil e a sequência não dá o menor respiro ao espectador, ao passo em que nos sentimos na pele dos protagonistas ao se deparar com o tamanho real do perigo. A inversão de papeis é inevitável: de caçadores, eles se tornam presas. Um clímax construído como foi todo o filme: com pura genialidade.
As limitações de produção da época e a narrativa “arrastada” da primeira metade do projeto são características que podem afastar os fãs mais jovens, geralmente ávidos por aventuras mais ágeis com criaturas perfeitas geradas em CGI. Mas se você sentar a bunda na cadeira por duas horas, calar sua boca e se permitir imergir na narrativa, tenho certeza de que muitas sensações diferentes você poderá extrair deste filme.
Por tudo isso, “Tubarão” é uma obra brilhante. Uma experiência quintessencial e obrigatória para qualquer fã de cinema. Um clássico do suspense.
Nota: 10,0
Crítica sensacional!
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