segunda-feira, 4 de maio de 2020

Resident Evil - O Potencial desperdiçado nos cinemas

Existe toda uma discussão sobre a qualidade dos filmes que se originam de franquias de jogos, desde o surgimento do infame Super Mario Bros, lançado em 1993 e com um hediondo orçamento de US$ 48 milhões (!). Particularmente, não desgosto desse filme, apesar deste abusar do direito de ser ruim. É uma pérola trash que, a meu ver, não se leva tão a sério, ao contrário da história contada nos filmes que avaliaremos hoje.

Resident Evil: O Hóspede Maldito - 30 de Maio de 2002 | Filmow
Não vou mentir. Comecei a conhecer e gostar de Resident Evil a partir da franquia de filmes do Paul W.S. Anderson. Tinha ali meus 8-9 anos de idade quando "Hospede Maldito" foi lançado e foi minha introdução para filmes de zumbis, também. É claro que fui conhecendo opções melhores de entretenimento com essas criaturas depois - incluindo os próprios jogos - e meu escopo de obras do gênero aumentou sensivelmente. E bem... Eu era realmente muito fã dessa franquia. Acompanhava os lançamentos fielmente e sempre com curiosidade de acompanhar a história de Alice, protagonista interpretada por Mila Jovovich, e seus amigos contra a Umbrella Corporation e suas armas biológicas.

Só que... os filmes de Resident Evil têm problemas demais. Primeiro, a completa desorganização do roteiro e do storyline ao longo dos seis filmes faz com que cada filme praticamente funcione por si só, totalmente independente dos outros. Cada sequência - exceção, talvez, a "Apocalypse", o segundo filme da saga - ignora parcial ou totalmente as regras e decisões narrativas estabelecidas no filme antecessor. O primeiro e o segundo filmes têm convergências narrativas importantes, como o alastramento do vírus por toda a cidade após a quarentena imposta pela Rainha Vermelha, algo denunciado pelo primeiro filme e desenvolvido pelo segundo. 

Mas parou por aí. Todo o desenvolvimento do roteiro do terceiro filme em diante foi uma sucessão de promessas nunca cumpridas, personagens que somem e voltam numa conveniência tão grande que fica evidente a mão pesada dos roteiristas (COF-Dr. Isaacs-COF), elementos facilitadores de narrativa que somem e voltam com a MESMA conveniência (COF-CLONES-COF). Tudo levado muito a sério, sem um pingo de ironia e subestimando a inteligência do espectador (COF-TRANSFORMERS-COF). E para piorar... a comparação com os jogos é impiedosa. Se por um lado é factível pensar que a linguagem cinematográfica não comportaria uma transposição ipsis literis de tudo o que a série de jogos possuía, por outro a franquia de filmes dá o tiro de misericórdia em sua história ao introduzir personagens dos jogos em versões completamente mutiladas. A comparação com a mídia original, se antes era discutível por terem pouquíssimos elementos em comum, ficou então inevitável e cruel. 

Basicamente, no primeiro filme, tínhamos alguns monstros (zumbis e lickers), T-Vírus, Umbrella e Raccoon City. Quatro elementos extraídos dos jogos que, se fossem os únicos, garantiria a Paul W.S. Anderson uma solidez muito maior para trabalhar sua franquia sem sofrer críticas comparativas com a mídia original. O problema real começou quando Anderson teve a "brilhante" (tsc) de transpor personagens dos jogos. Temos Jill Valentine, Carlos Oliveira e Nicholai Ginovaef como verdadeiras sombras dos personagens que foram em suas versões originais, e pior... Quase sempre sendo ofuscados, quando não humilhados, por Alice.

Entre SemideusesE um Nemesis que literalmente APANHA para a heroína (!). 

Sim. sabe o Nemesis que fez suas calças pesarem em Resident Evil 3? 

Pois é, ele toma um cacete de Alice aqui. 

Daí em diante, temos uma Claire Redfield irreconhecível, um Chris Redfield que só aparece em UM filme e depois é totalmente esquecido nas sequências, um Albert Wesker que ora é presidente da Umbrella e rei da porra toda, ora é um frágil empregado da empresa... 

E falar de Ada Wong, Leon e Barry Burton no quinto filme com detalhes seria um martírio... Então, resumo da ópera: Ada e Leon levam pito da Alice, e Barry morre de forma ridícula pra uns soldados aleatórios da Umbrella.

Eu gostava da franquia até assistir o sexto filme. Mas enquanto assistia ao sexto filme, cheguei à conclusão de que todo o fraco desenvolvimento e o descaso com a narrativa, aliada à baixa qualidade do enredo e a controversa e despreocupada introdução de elementos da franquia de jogos, transformava a série de filmes numa colcha de retalhos e fazia tudo ser muito sem sentido. Uma sucessão praticamente sem fim de regras sendo criadas e quebradas o tempo todo. E a coisa piora demais quando você percebe que praticamente todos os elementos que estão nos jogos só estão lá pra Alice brilhar, deitar e rolar em cima.

Hoje em dia, acredito que essa franquia seja completamente dispensável. Toda a suspensão da descrença que o espectador precisa empregar, aliado aos inúmeros furos de roteiro e a todo o potencial desperdiçado do plot iniciado no primeiro filme, torna toda essa história muito fraca. Fãs dos jogos não têm motivos pra se empolgar, por motivos óbvios.

Já fãs novos ou desmembrados de qualquer afeição com a franquia de jogos podem ter motivos para empolgação. Afinal, apesar de todos os defeitos de narrativa e roteiro apresentados por seus longas, a franquia sempre se deu muito bem no que se propunha a fazer: ação frenética envolvendo super-heróis e ameaças biológicas, pouca preocupação em fazer um filme cabeça e todo o carisma de Mila Jovovich no papel principal, garantiram a Resident Evil no cinema uma gorda compensação financeira. Todos os filmes foram bastante lucrativos e tiveram um enorme apelo junto a um público relativamente diverso, o que acabou garantindo que a balança de recepções entre crítica e público não pendesse tanto para o desastre.

Em resumo... é um lixo perfumado com perfumes de luxo.

Resident Evil: Diretor comenta como será o reboot

sábado, 2 de maio de 2020

"Alien" e o... sexploitation?



É interessante pensar sobre este filme hoje em dia. Afinal, já se vão mais de 40 anos deste que é um dos melhores filmes de ficção-científica da história. "Alien" não apenas trouxe uma corajosa mistura entre terror e ficção científica para o cenário dos blockbusters (ainda mais ao ser lançado apenas um ano após Star Wars), mas também estabeleceu regras para o funcionamento de um bom horror, seja ficção-científica ou não.

Assim como "Tubarão", de Steven Spielberg, lançado quatro anos antes, Alien tem pouco ou quase nada de CGI. Sendo assim, predominam os bem-vindos efeitos práticos. Além disso,temos boa parte do seu subtexto focado em exploração da força de trabalho por um conglomerado de empresas inescrupulosas.

Assim, é um longa-metragem que envelheceu muito pouco, tanto do ponto de vista estético, quanto da temática abordada. É um filme bastante atual. Ah, e neste momento de pandemia, mais ainda, ainda mais tendo em mente a famosíssima frase de Ellen Ripley, a protagonista, sobre a necessária quarentena em relação a um dos membros da tripulação da Nostromo (espaçonave mineradora do grupo), que havia sido atacado por um facehugger (organismo de incubação do alienígena no hospedeiro humano).

"Escute-me, se sairmos da quarentena, vamos todos morrer."

E é de Ellen Ripley que efetivamente falaremos nesse texto.


O desenvolvimento da protagonista ao longo da fita é, como todo o restante do longa, muito calmo e sem grandes solavancos. Ela começa tímida, ainda mais em relação a outros membros, mas vai ganhando seu espaço pouco a pouco, com sua assertividade e perspicácia. Ripley acaba sendo a única sobrevivente, já que o xenomorfo (o alienígena) acabou matando todos os outros. É ela quem primeiro entra em contato com as reais intenções da empresa mineradora para com o espécime alienígena. Ripley é quase morta por Ash, o oficial de ciências da Nostromo, que é revelado ser um androide.

Ao final do filme, Ripley escapa da Nostromo com o gatinho Jones, usando a Narcissus. Já acreditando estar em segurança, a tenente se despe de quase toda sua paramentação até ali e fica seminua, sem saber que ainda teria que enfrentar o xenomorfo uma última vez para finalmente terminar aquela aventura com vida.


É um tanto intrigante olhar para essa cena com os olhos da atualidade. Em meio a tantas discussões sobre o sexploitation nos dias atuais, seria - e é - muito fácil condenar essa cena. Afinal, o corpo de Sigourney Weaver é quase que totalmente exposto nessa cena - e a atriz é considerada sex symbol por alguns por causa disso - o que para mim é algo totalmente descabido em todos os níveis.
Quem alça essa cena a um exemplo de sexploitation tem lá suas razões. Primeiro que não é difícil imaginar que tenha havido certa malícia do diretor e dos produtores ao fazer a cena. Segundo que... Num contexto em que o principal antagonista do filme é o Xenomorfo, uma criatura cuja cabeça possui formato fálico, nos famigerados anos 70, quem não apostaria nessa interpretação? É bem fácil, ainda mais com os olhos da atualidade.

Mas tem uma outra interpretação possível para a cena, e essa para mim é muito mais edificante e em acordo com o contexto do filme, além de ser um desfecho genial para a própria protagonista. Ripley é uma tenente com cara de bad-ass durante o filme todo, que precisa se manter firme para suportar a perda dos companheiros um a um para o alienígena. Precisou ainda ter sangue frio para escapar do algoz, uma das criaturas mais roubadas da ficção-científica, em condições que o favoreciam: os corredores estreitos e àquela altura escuros da Nostromo eram o melhor cenário possível para o organismo adaptativo do Xenomorfo.

Assim, ver toda a fragilidade humana de Ripley no final, com seu corpo esguio e pequeno, é algo que, em vez de simplesmente reduzi-la a um pedaço de carne para o deleite masculino, adiciona uma outra camada à personagem, quando não ao filme. Lembramos de toda a sua trajetória, de como ela evoluiu e como acabou sendo a única sobrevivente, mesmo havendo na tripulação membros mais fortes e experientes que ela.

Para navegantes de primeira viagem - especialmente os acostumados com a discussão sobre a sexualização da mulher, o final de "Alien" pode parecer controverso no que concerne a aparência de sexploitation nesta cena. Mas é fácil perceber tal cena apenas tomou parte do engrandecimento da personagem de Sigourney Weaver, que se tornou algo muito maior do que o suposto sexploitation e ganhou relevância na ficção-científica do cinema, que se mantém até hoje.

"Aliens - O Resgate" está aí para não me deixar mentir.