segunda-feira, 24 de agosto de 2020

CARRION (Jogo eletrônico de 2020)

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 Zerei Carrion, um jogo de terror pelo qual, logo de cara, assim que vi pela primeira vez, quis avidamente jogar.

Acho que joguei mais jogos em 2020 do que no resto da vida. Consequências da pandemia? Talvez.

O fato é que o aspecto de terror reverso que Carrion traz é realmente muito instigante e bem diferente da maioria das experiências audiovisuais de horror que existem.

A começar, é claro, pela premissa. Você ganha o controle de uma criatura amorfa e grotesca que vai se desenvolvendo ao comer humanos e absorver tipos diferentes de DNA.

Muito foco na gameplay - que é divertida e extremamente desafiadora - e uma história que, embora direto ao ponto, tem alguns mistérios que vão deixar sua cabeça bem bugada no final.

Além disso tudo, é um jogo que, embora não pareça, tem umas questões meio existenciais, bem focadas na relação entre você como jogador, e a criatura que vc está controlando. O jogo não tem muitos manuais e é recheado de segredos.

A criatura que vc controla é superpoderosa, e se fosse só você matando tudo ao seu redor sem resistência, a experiência seria muito mais um fetiche bizarro de poder, porém entediante a médio prazo.

Mas os desenvolvedores sabiam disso, então a sua criatura é poderosa... mas vulnerável. Aqui o jogo brilha com aspectos de Metroidvania bem fortes, como a aquisição de power-ups que lhe farão conquistar os segredos do lugar. Assim, o jogo lança mão de inúmeros puzzles e inimigos por todo o cenário, que vão fazer o jogador quebrar um pouco - ou muito - a cabeça pra resolver.

E esse é o ponto-chave que torna Carrion um horror corporal bem marcante. Sua criatura é poderosa, mas é muito mais instintiva do que cerebral. Ela depende essencialmente de você para resolver enigmas e situações adversas. A criatura lhe dá os meios, mas tudo depende do seu raciocínio.

O horror de Carrion é muito sobre o corpo. Sobre o que o seu corpo é, e sobre para que o corpo serve. Sobre a evolução dele e as circunstâncias, preços e riscos desse desenvolvimento.

Definitivamente é um jogo marcante e uma experiência divertidíssima pra quem quer experimentar algo diferente dentro da vasta seara de games de Metroidvania e Terror.

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Resident Evil - O Potencial desperdiçado nos cinemas

Existe toda uma discussão sobre a qualidade dos filmes que se originam de franquias de jogos, desde o surgimento do infame Super Mario Bros, lançado em 1993 e com um hediondo orçamento de US$ 48 milhões (!). Particularmente, não desgosto desse filme, apesar deste abusar do direito de ser ruim. É uma pérola trash que, a meu ver, não se leva tão a sério, ao contrário da história contada nos filmes que avaliaremos hoje.

Resident Evil: O Hóspede Maldito - 30 de Maio de 2002 | Filmow
Não vou mentir. Comecei a conhecer e gostar de Resident Evil a partir da franquia de filmes do Paul W.S. Anderson. Tinha ali meus 8-9 anos de idade quando "Hospede Maldito" foi lançado e foi minha introdução para filmes de zumbis, também. É claro que fui conhecendo opções melhores de entretenimento com essas criaturas depois - incluindo os próprios jogos - e meu escopo de obras do gênero aumentou sensivelmente. E bem... Eu era realmente muito fã dessa franquia. Acompanhava os lançamentos fielmente e sempre com curiosidade de acompanhar a história de Alice, protagonista interpretada por Mila Jovovich, e seus amigos contra a Umbrella Corporation e suas armas biológicas.

Só que... os filmes de Resident Evil têm problemas demais. Primeiro, a completa desorganização do roteiro e do storyline ao longo dos seis filmes faz com que cada filme praticamente funcione por si só, totalmente independente dos outros. Cada sequência - exceção, talvez, a "Apocalypse", o segundo filme da saga - ignora parcial ou totalmente as regras e decisões narrativas estabelecidas no filme antecessor. O primeiro e o segundo filmes têm convergências narrativas importantes, como o alastramento do vírus por toda a cidade após a quarentena imposta pela Rainha Vermelha, algo denunciado pelo primeiro filme e desenvolvido pelo segundo. 

Mas parou por aí. Todo o desenvolvimento do roteiro do terceiro filme em diante foi uma sucessão de promessas nunca cumpridas, personagens que somem e voltam numa conveniência tão grande que fica evidente a mão pesada dos roteiristas (COF-Dr. Isaacs-COF), elementos facilitadores de narrativa que somem e voltam com a MESMA conveniência (COF-CLONES-COF). Tudo levado muito a sério, sem um pingo de ironia e subestimando a inteligência do espectador (COF-TRANSFORMERS-COF). E para piorar... a comparação com os jogos é impiedosa. Se por um lado é factível pensar que a linguagem cinematográfica não comportaria uma transposição ipsis literis de tudo o que a série de jogos possuía, por outro a franquia de filmes dá o tiro de misericórdia em sua história ao introduzir personagens dos jogos em versões completamente mutiladas. A comparação com a mídia original, se antes era discutível por terem pouquíssimos elementos em comum, ficou então inevitável e cruel. 

Basicamente, no primeiro filme, tínhamos alguns monstros (zumbis e lickers), T-Vírus, Umbrella e Raccoon City. Quatro elementos extraídos dos jogos que, se fossem os únicos, garantiria a Paul W.S. Anderson uma solidez muito maior para trabalhar sua franquia sem sofrer críticas comparativas com a mídia original. O problema real começou quando Anderson teve a "brilhante" (tsc) de transpor personagens dos jogos. Temos Jill Valentine, Carlos Oliveira e Nicholai Ginovaef como verdadeiras sombras dos personagens que foram em suas versões originais, e pior... Quase sempre sendo ofuscados, quando não humilhados, por Alice.

Entre SemideusesE um Nemesis que literalmente APANHA para a heroína (!). 

Sim. sabe o Nemesis que fez suas calças pesarem em Resident Evil 3? 

Pois é, ele toma um cacete de Alice aqui. 

Daí em diante, temos uma Claire Redfield irreconhecível, um Chris Redfield que só aparece em UM filme e depois é totalmente esquecido nas sequências, um Albert Wesker que ora é presidente da Umbrella e rei da porra toda, ora é um frágil empregado da empresa... 

E falar de Ada Wong, Leon e Barry Burton no quinto filme com detalhes seria um martírio... Então, resumo da ópera: Ada e Leon levam pito da Alice, e Barry morre de forma ridícula pra uns soldados aleatórios da Umbrella.

Eu gostava da franquia até assistir o sexto filme. Mas enquanto assistia ao sexto filme, cheguei à conclusão de que todo o fraco desenvolvimento e o descaso com a narrativa, aliada à baixa qualidade do enredo e a controversa e despreocupada introdução de elementos da franquia de jogos, transformava a série de filmes numa colcha de retalhos e fazia tudo ser muito sem sentido. Uma sucessão praticamente sem fim de regras sendo criadas e quebradas o tempo todo. E a coisa piora demais quando você percebe que praticamente todos os elementos que estão nos jogos só estão lá pra Alice brilhar, deitar e rolar em cima.

Hoje em dia, acredito que essa franquia seja completamente dispensável. Toda a suspensão da descrença que o espectador precisa empregar, aliado aos inúmeros furos de roteiro e a todo o potencial desperdiçado do plot iniciado no primeiro filme, torna toda essa história muito fraca. Fãs dos jogos não têm motivos pra se empolgar, por motivos óbvios.

Já fãs novos ou desmembrados de qualquer afeição com a franquia de jogos podem ter motivos para empolgação. Afinal, apesar de todos os defeitos de narrativa e roteiro apresentados por seus longas, a franquia sempre se deu muito bem no que se propunha a fazer: ação frenética envolvendo super-heróis e ameaças biológicas, pouca preocupação em fazer um filme cabeça e todo o carisma de Mila Jovovich no papel principal, garantiram a Resident Evil no cinema uma gorda compensação financeira. Todos os filmes foram bastante lucrativos e tiveram um enorme apelo junto a um público relativamente diverso, o que acabou garantindo que a balança de recepções entre crítica e público não pendesse tanto para o desastre.

Em resumo... é um lixo perfumado com perfumes de luxo.

Resident Evil: Diretor comenta como será o reboot

sábado, 2 de maio de 2020

"Alien" e o... sexploitation?



É interessante pensar sobre este filme hoje em dia. Afinal, já se vão mais de 40 anos deste que é um dos melhores filmes de ficção-científica da história. "Alien" não apenas trouxe uma corajosa mistura entre terror e ficção científica para o cenário dos blockbusters (ainda mais ao ser lançado apenas um ano após Star Wars), mas também estabeleceu regras para o funcionamento de um bom horror, seja ficção-científica ou não.

Assim como "Tubarão", de Steven Spielberg, lançado quatro anos antes, Alien tem pouco ou quase nada de CGI. Sendo assim, predominam os bem-vindos efeitos práticos. Além disso,temos boa parte do seu subtexto focado em exploração da força de trabalho por um conglomerado de empresas inescrupulosas.

Assim, é um longa-metragem que envelheceu muito pouco, tanto do ponto de vista estético, quanto da temática abordada. É um filme bastante atual. Ah, e neste momento de pandemia, mais ainda, ainda mais tendo em mente a famosíssima frase de Ellen Ripley, a protagonista, sobre a necessária quarentena em relação a um dos membros da tripulação da Nostromo (espaçonave mineradora do grupo), que havia sido atacado por um facehugger (organismo de incubação do alienígena no hospedeiro humano).

"Escute-me, se sairmos da quarentena, vamos todos morrer."

E é de Ellen Ripley que efetivamente falaremos nesse texto.


O desenvolvimento da protagonista ao longo da fita é, como todo o restante do longa, muito calmo e sem grandes solavancos. Ela começa tímida, ainda mais em relação a outros membros, mas vai ganhando seu espaço pouco a pouco, com sua assertividade e perspicácia. Ripley acaba sendo a única sobrevivente, já que o xenomorfo (o alienígena) acabou matando todos os outros. É ela quem primeiro entra em contato com as reais intenções da empresa mineradora para com o espécime alienígena. Ripley é quase morta por Ash, o oficial de ciências da Nostromo, que é revelado ser um androide.

Ao final do filme, Ripley escapa da Nostromo com o gatinho Jones, usando a Narcissus. Já acreditando estar em segurança, a tenente se despe de quase toda sua paramentação até ali e fica seminua, sem saber que ainda teria que enfrentar o xenomorfo uma última vez para finalmente terminar aquela aventura com vida.


É um tanto intrigante olhar para essa cena com os olhos da atualidade. Em meio a tantas discussões sobre o sexploitation nos dias atuais, seria - e é - muito fácil condenar essa cena. Afinal, o corpo de Sigourney Weaver é quase que totalmente exposto nessa cena - e a atriz é considerada sex symbol por alguns por causa disso - o que para mim é algo totalmente descabido em todos os níveis.
Quem alça essa cena a um exemplo de sexploitation tem lá suas razões. Primeiro que não é difícil imaginar que tenha havido certa malícia do diretor e dos produtores ao fazer a cena. Segundo que... Num contexto em que o principal antagonista do filme é o Xenomorfo, uma criatura cuja cabeça possui formato fálico, nos famigerados anos 70, quem não apostaria nessa interpretação? É bem fácil, ainda mais com os olhos da atualidade.

Mas tem uma outra interpretação possível para a cena, e essa para mim é muito mais edificante e em acordo com o contexto do filme, além de ser um desfecho genial para a própria protagonista. Ripley é uma tenente com cara de bad-ass durante o filme todo, que precisa se manter firme para suportar a perda dos companheiros um a um para o alienígena. Precisou ainda ter sangue frio para escapar do algoz, uma das criaturas mais roubadas da ficção-científica, em condições que o favoreciam: os corredores estreitos e àquela altura escuros da Nostromo eram o melhor cenário possível para o organismo adaptativo do Xenomorfo.

Assim, ver toda a fragilidade humana de Ripley no final, com seu corpo esguio e pequeno, é algo que, em vez de simplesmente reduzi-la a um pedaço de carne para o deleite masculino, adiciona uma outra camada à personagem, quando não ao filme. Lembramos de toda a sua trajetória, de como ela evoluiu e como acabou sendo a única sobrevivente, mesmo havendo na tripulação membros mais fortes e experientes que ela.

Para navegantes de primeira viagem - especialmente os acostumados com a discussão sobre a sexualização da mulher, o final de "Alien" pode parecer controverso no que concerne a aparência de sexploitation nesta cena. Mas é fácil perceber tal cena apenas tomou parte do engrandecimento da personagem de Sigourney Weaver, que se tornou algo muito maior do que o suposto sexploitation e ganhou relevância na ficção-científica do cinema, que se mantém até hoje.

"Aliens - O Resgate" está aí para não me deixar mentir.


terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

ARLEQUINA: AVES DE RAPINA - CRÍTICA

       
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         Quatro anos atrás, quando do lançamento do péssimo “Esquadrão Suicida”, muitos cantaram a pedra de que a Arlequina de Margot Robbie, entre poucas coisas a serem aproveitadas, era a que mais tinha potencial para futuros projetos. Eu incluso. Chegou 2020 e com ele, “Arlequina: Aves de Rapina”, produzido e estrelado pela atriz, mostrando que essa previsão foi mais do que acertada.

       “Aves de Rapina” tem definido um objetivo muito evidente. Nada de rachar a cuca com um roteiro cabeça e sair pensando sobre um filme super complexo. O negócio sentar a bunda na cadeira, gargalhar, se emocionar e, principalmente, se divertir. E esse objetivo foi mais do que bem-sucedido. O longa é engraçado, ágil e super eficiente em tudo o que entrega, contando com uma direção segura e um roteiro simples, mas bem escrito. A formação do grupo principal não passa por grandes firulas: elas se veem encurraladas, entendem que têm melhores chances se unindo e trabalham juntas, sem aquela costumeira enrolação de filmes de origem.

  No elenco, temos Margot Robbie, ainda mais à vontade no papel da personagem-título, numa atuação que dispensa maiores apresentações. É a Arlequina, mais pirada do que nunca, dando seus pulos pra ganhar a vida e tentar ser uma pessoa melhor. Daqui em diante, é impossível não fazer menções aos materiais-base do filme, que são as histórias em quadrinhos. Como inquestionável e intransigente fã da Harley e de seus quadrinhos, me senti MUITO contemplado pela representação da personagem. Ela é um retrato perfeito de sua contraparte da nona arte, sobretudo da fase dos Novos 52 em diante, onde ela corta relações com o Coringa e muda radicalmente de vida. Temos também altos momentos de quebra da quarta parede, com a personagem não apenas narrando a história para o espectador, mas também se dirigindo para a câmera. É como se a personagem estivesse sentada com uma amiga, desabafando e chorando as mágoas. Com tudo isso, fãs de quadrinhos não têm do que reclamar, tirando uma coisa ou outra, está bem fiel.

        O elenco das heroínas é bem diverso em termos étnicos, o que é um bom aspecto a ser pontuado. E todas estão muito bem em seus papeis, ainda que obviamente o ponto central da trama esteja na personagem de Robbie. Ewan McGregor faz o vilão, Roman Sionis/Máscara Negra e está ótimo no papel, cheio de trejeitos e de um carregado estereótipo psicopático/misógino. Apesar disso, vemos uma complexidade no personagem, e que pode ser chamariz para uma discussão: há fortes indícios de que o personagem seja homossexual – falaremos disso daqui a pouco. Gostei também bastante da apresentação do vilão Victor Zsasz, um dos meus personagens favoritos dos quadrinhos/jogos. 

       É pertinente reservar algumas linhas desse texto para falar sobre uma nuance muito importante deste filme: a forma como ele apresenta, ainda que sob as grossas camadas do humor e da violência, algumas mensagens poderosas sobre emancipação feminina. O filme não é uma lacrosfera, longe disso na verdade. Não temos grandes discursos expositivos sobre machismo e nem uma protagonista gritando o tempo todo que pode ser importante e que não precisa provar nada a homem algum, como Carol Danvers no filme da Capitã Marvel. Por outro lado, temos a Arlequina, destituída de seus “privilégios” por ser mulher do Coringa, sendo considerada um alvo fácil para todos os outros vilões de Gotham. Ela precisa provar para si mesma e para salvar sua própria pele que ela é uma pessoa independente e capaz de se defender sem o Coringa, e assim o filme traz a questão da emancipação de maneira bastante orgânica. Outro ponto a comentar é a suposta homossexualidade do vilão: Sionis, aqui, é retratado como um terrível misógino, o que toca em uma discussão que não é tão frequente nas rodinhas: gays também podem ser (extremamente) machistas.

     Não há como falar deste longa sem mencionar um fato preocupante: a bilheteria O filme infelizmente pecou muito no marketing, ao não deixar exatamente claro, com o título, que história estava vendendo. Não se sabia exatamente se seria uma história da Arlequina ou das Aves de Rapina. E é sentida aqui também a falta de um Batman no Universo Cinematográfico da DC, pois um filme sobre personagens diretamente ligadas ao universo do homem-morcego sem o ter como possível chamariz. Isso provocou uma bilheteria decepcionante na primeira semana. É preocupante, porque infelizmente sabemos como a bilheteria pode influenciar de forma extremamente negativa sobre a (des)continuidade de um filme. E este filme, definitivamente, merecia um desempenho melhor.

Nada disso diminui o brilhantismo de “Arlequina: Aves de Rapina”. É um filme que cumpre o que promete: Uma aventura despretensiosa e bem divertida.

Nota: 8,5