Durante o ano de 2014, com a nova era Turbo, eco-amigável, a alemã Mercedes se impôs diante das demais e vem dominando facilmente a temporada atual da Fórmula 1. Seu carro anda bem em todos os tipos de pista e, com dois pilotos talentosos como Lewis Hamilton e Nico Rosberg, o campeonato de construtores está garantido, pois nesta altura do campeonato, estando tão à frente das demais equipes e ainda com um bólido tão superior, não há como o time tedesco perdê-lo.
Neste ano, com a brutal mudança no regulamento, a Mercedes, que apostava todas as suas fichas no árduo trabalho realizado para desenvolver um poderoso motor V6 Turbo, domina o campeonato como poucas vezes se viu. Com isso, Lewis Hamilton tem se digladiado ferozmente com Nico Rosberg na luta pelo campeonato. O inglês dizia que esta provavelmente seria sua última chance de ser campeão. O alemão também sabe disso. No ano seguinte, é possível que as outras equipes, bem como as outras fabricantes de motores, evoluam bastante, principalmente a Renault, outrora precursora da Primeira Era Turbo, e a Honda, que tem à sua disposição deliciosos dados dos potentes motores alemães, que equiparão a McLaren até o final deste ano.
No começo da temporada, exceto pelo GP da Austrália, onde abandonou, Hamilton viveu uma grande fase, tendo vencido quatro das cinco primeiras corridas. E aí começaram as querelas. Inicialmente, Hamilton acusou Rosberg de copiar seus set-ups. Depois, nas claustrofóbicas ruas de Mônaco, Rosberg supostamente teria errado de propósito na curva Mirabeau para impedir a pole-position do inglês, num caso semelhante ao de Michael Schumacher em 2006, quando o heptacampeão deliberadamente estacionou seu carro na curva Rascasse para impedir a pole de Fernando Alonso, sendo providencialmente desclassificado posteriormente. O caso de Rosberg foi analisado pelos comissários e o alemão não perdeu a pole. Nico venceu a corrida e ampliou ainda mais sua vantagem. Hamilton, após a corrida, disse: "não somos mais amigos". A guerra estava declarada.
No GP do Canadá, Rosberg e Hamilton saíram em primeiro e segundo, respectivamente, mas sofreram com falhas em suas
unidades de potência motores. O inglês foi forçado a abandonar e o alemão, apesar de conseguir terminar, teve uma perda de potência significativa, abrindo caminho para a primeira vitória da Red Bull no ano, com o então surpreendente australiano Daniel Ricciardo (Ricardão, para os íntimos). Na Áustria, tanto Rosberg quanto Hamilton tiveram problemas no Q3 da classificação, deixando a primeira fila de bandeja para Felipe Massa e Valtteri Bottas, a dupla da Williams. O brasileiro conquistou sua primeira pole desde 2008. Mas isso não impediu que a Mercedes voltasse a vencer, com dobradinha de Rosberg e Hamilton. O inglês voltaria a reagir na Inglaterra, se aproveitando de um abandono do alemão para vencer em casa e tirar 25 pontos da desvantagem.
Os GPs da Alemanha e Hungria marcaram dois problemas seguidos de Hamilton, com duas reações extraordinárias nas corridas. No GP alemão, em Hockenheim, Hamilton rodou no Q3 da classificação e, na corrida, chegou em terceiro. Já em Hungaroring, Lewis sofreu com um incêndio provocado por vazamento de óleo e nem disputou o Q3. Reagiu e terminou novamente em terceiro. Nico Rosberg, por sua vez, teve um aproveitamento excelente. Venceu o GP da Alemanha e foi o quarto no GP da Hungria, em outra vitória de um excelente Ricciardo. O GP húngaro acabou sendo marcado por uma controversa ordem de equipe da Mercedes, a de que Hamilton deixasse Rosberg passar. O inglês não obedeceu e os dois mantiveram suas posições. Ali, começavam a ser questionadas as habilidades de Toto Wolff e Niki Lauda, dirigentes, para controlar o ego de seus dois pilotos.
Questionamentos esses justificados no último domingo (24), no GP da Bélgica, disputado no tradicional circuito de Spa-Francorchamps. Nico Rosberg e Lewis Hamilton dominaram o treino, mesmo debaixo de um dilúvio, como é de costume na região da Floresta das Ardennes, onde é localizado o circuito. O alemão bateu o inglês por aproximadamente três décimos. Na largada, Lewis tomou a ponta e Rosberg caiu para terceiro, mas recuperou a posição em cima de Sebastian Vettel ainda na primeira volta, com um erro do compatriota na freada das Les Combes.
|
(Fotografia: BBC Sport) |
Na segunda volta, Rosberg vinha com ação para tentar ultrapassar Hamilton e colocou seu carro ao lado do carro do britânico por fora para tentar a ultrapassagem, mas acabou tocando a roda traseira esquerda do carro #44 de Lewis, furando-a o e quebrando sua própria asa dianteira. O inglês rodou uma volta inteira com o pneu furado e perdeu muito tempo feat posições, sendo forçado a voltar aos boxes para trocá-lo. A performance da Mercedes #6 de Rosberg não foi tão afetada, por isso ele só veio bem depois para trocar a asa avariada, mas ele acabou sendo derrotado outra vez pelo risonho Daniel Ricciardo, que conquistou sua terceira vitória na temporada. Hamilton acabou por abandonar a quatro voltas do final.
O incidente dividiu a comunidade automobilística em dois pilares. De um lado, os moralistas e fãs de Hamilton, que, além de considerarem Rosberg integralmente culpado por uma batida proposital, o vaiaram quando este foi ao pódio na segunda colocação. Do outro, pessoas que preferiram olhar para o incidente como ele realmente foi: um clássico toque de corrida. A direção da Mercedes chamou os dois pilotos para uma reunião emergencial para esclarecimentos sobre a polêmica. Se por um lado, Niki Lauda culpou Rosberg por tudo, Toto Wolff foi mais comedido e disse que "o toque poderia ter sido evitado". Os dois concordaram, porém, que um problema desses na segunda volta era algo inaceitável.
Na minha opinião, há uma tentativa deveras desonesta, encabeçada por Hamilton, de colocar o incidente na culpa de Rosberg. Sim, encabeçada por Lewis. O inglês saiu da reunião dizendo que Rosberg basicamente teria admitido que batera propositalmente. O "basicamente" foi, logicamente, uma tentativa de manipular as palavras do adversário de forma conveniente aos seus propósitos. Já o tedesco preferiu não comentar detalhes sobre a reunião, mas disse que Hamilton havia dito apenas sua versão dos fatos e que a sua própria opinião era bem diferente.
Rosberg poderia evitar o toque? Quanto a isso não sei exatamente o que pensar. Acho que há uma responsabilidade conjunta. Se Rosberg não retirou o carro dali, Hamilton sabia exatamente onde o alemão estava e tentou manter a linha normal, como qualquer um faria. Rosberg teve um espaço e tentou contornar a primeira perna da curva emparelhado para depois tentar ultrapassar na segunda. Os dois estavam simplesmente tentando seguir traçados parecidos e não cederam de forma alguma.
Eu diria, inclusive, que se alguém poderia e deveria evitar esse tipo de situação, era Hamilton. Ele era quem tinha mais a perder. E perdeu. Se antes ele estava 11 pontos atrás de Rosberg na classificação, agora está 29. Como disse o autor do excelente blog "Axis of Oversteer" (
aqui), foi uma briga entre cães para ver quem arremessava xixi no lugar mais alto do poste.
|
(Imagem: Bruno Mantovani/Pilotoons) |
Agora, sobre a Mercedes, pairam os fantasmas dos campeonatos de 1981 e 1986, em que a Williams perdeu fatidicamente dois campeonatos de pilotos, respectivamente, para Nelson Piquet (Brabham) e Alain Prost (McLaren), devido a falta de pulso dos dirigentes para controlar a animosidade dos pilotos. Ainda mais com um Ricardão, sempre no lugar e na hora certa, prontinho para aproveitar qualquer falha. Se antes não estava claro, agora ficou mais reluzente que o cromado da Estrela de Três Pontas: A equipe está em guerra interna declarada.
|
Toto Wolff e Niki Lauda, dirigentes da Mercedes (Foto: Sutton) |
Duas coisas ficam bem claras.
1. Lewis Hamilton está bem frustrado porque, mesmo sendo um dos melhores pilotos da atualidade, sendo constantemente comparado a Sebastian Vettel (tetracampeão) e Fernando Alonso (bicampeão), não está conseguindo dominar Nico Rosberg. Assim, tem corriqueiramente usado joguinhos psicológicos para tentar desestabilizar o companheiro, mostrando certa fraqueza psicológica.
2. Toto Wolff e Niki Lauda não sabem lidar com o ego e a animosidade de seus dois pilotos. Só podia dar merda.
De qualquer forma, é triste que Lewis e Nico, amigos de infância e antigos companheiros no kart, tenham sua amizade encerrada de forma tão cruel por ocasião da luta de suas vidas: a caminhada rumo ao título mais cobiçado de suas carreiras.
|
Foto: Getty Images |