Sabem aquelas coisas que você se arrepende pelo resto da vida de ter perdido?
Talvez este seja o caso de ter perdido a chance de ver o Grande Prêmio da Hungria de 2015 ao vivo.
O que é perfeitamente compreensível, dadas as circunstâncias estabelecidas após a classificação de sábado, ainda somadas ao histórico ruim do país na Fórmula 1 no tangente à emoção das corridas.
Tivemos as duas Mercedes largando na frente numa pista em que é praticamente impossível de ultrapassar. As Mercedes não quebram e quando o calor não é realmente extremo, como na Malásia, não perderiam por isso.
O normal seria uma vitória com dobradinha da equipe alemã, Vettel beliscando um pódio, o que é o padrão da Ferrari e as Red Bull se metendo ali nas posições intermediárias do pelotão devido ao seu carro, aerodinamicamente muito bom e com baixa exigência de potência no sinuoso circuito, que é comumente comparado a Mônaco por suas curvas de média e baixa velocidade.
Some isso ao clima de pesar pela morte de Jules Bianchi. Não sei. Os pilotos poderiam pensar nisso como um "limitador" para suas ações no GP, vez que tinham sido lembrados recentemente e da pior maneira possível que aquele era um esporte perigoso e, eventualmente, fatal: A morte de um colega de profissão. E tão próximo como Jules era.
Mas o improvável aconteceu. E em várias situações do GP.
Sobressaiu-se o melhor piloto, o maior talento, aquele que conseguiu somar da maneira mais expressiva a coisa mais importante neste ramo de corridas de carro: Resiliência.
Moleque relativamente novo para os padrões da Fórmula 1, 28 anos, o maior recordista precoce da história da categoria, sujeito boa-praça e que, se outrora bastante ojerizado, hoje vem ganhando a simpatia e a complacência dos que o cercam.
E atende pelo nome de Sebastian Vettel.
Ora, numa época em que a Fórmula 1 vive uma daquelas eras de dominância tão absoluta que chega a ser absurda, este alemão simplesmente foi soberano, tendo apresentado um desempenho que nos remete mais aos bons e velhos tempos de Michael Schumacher na Ferrari.
Tanto que, enquanto escrevia esse pequeno texto - ou seja, um testículo - eu pensei em algo interessante e especial.
É bem verdade que a vitória de Vettel em Hungaroring tem muito do Grande Prêmio da Itália de 2000. Alemão, piloto da Ferrari, alcançou sua 41ª vitória - igualando Ayrton Senna - em meio ao profundo luto. Momento similar vimos 15 anos antes, mesmo, com Michael Schumacher. A morte de Paolo Ghislimberti, fiscal de pista, aterrou a todos os presentes, fazendo o tedesco cair a um incontido pranto na coletiva de imprensa.
Mas também tem muito do Grande Prêmio da Hungria de 1998. À época. Schumacher dava o sangue para enfrentar as poderosas McLaren-Mercedes de Mika Hakkinen e David Coulthard e utilizou de estratégia magistral de três paradas e um ritmo cirúrgico para bater os velozes bólidos de Woking. Um dos mais célebres triunfos de Michael e de Maranello.
Vettel foi perfeito desde a largada. Aproveitou as pobres arrancadas de seus adversários, Lewis Hamilton e Nico Rosberg, e controlou a corrida até o fim, praticamente sem ser ameaçado. Teve a companhia de uma velha conhecida dele mesmo e daquele lugar de glória, o pódio: A Red Bull. Daniil Kvyat e Daniel Ricciardo, como dito, se aproveitando da baixa cobrança de potência de Hungaroring para galgar duas posições no pódio.
Tivemos então um pódio sem presença de motor Mercedes e sem algum piloto da equipe Mercedes - efeméride não vista desde, o GP do Brasil, ambos em 2013.
O alemão contou ainda com os vacilos dos dois principais rivais. Hamilton fez uma corrida totalmente errática. Seus momentos de impaciência estão se tornando cada vez frequentes. Os vacilos em Silverstone quando perdeu a liderança para a Williams na largada mostraram isso. Já Rosberg foi totalmente inexpressivo. Sexta e oitava posições para carros que tem obrigação de ganhar com 1-2. Uma tragédia para os alemães, em síntese. E o pior é que, com uma corrida de tantos erros para Hamilton, o tedesco Rosberg poderia aproximar-se bastante no campeonato. Mas sua estratégia errada em relação à Red Bull acabou com esse sonho e o relegou a terminar duas posições atrás do companheiro, aumentando a vantagem de Lewis para 21 pontos.
O tricampeonato de Hamilton vem aí, tanto pela sua superioridade em relação a Rosberg em praticamente todos os sentidos quanto pelas circunstâncias em volta dos dois.
Destacar-se deve também outras performances espetaculares: A presença maciça da McLaren-Honda na zona de pontuação, com o praticamente inacreditável quinto lugar de Fernando Alonso e o nono lugar de Jenson Button. Beneficiados pelos infortúnios e quebras de seus adversários e por uma pista onde as ultrapassagens são praticamente impossíveis, os dois galgaram posições. Ressalte-se que Alonso terminou à frente das duas Mercedes, para que se ratifique o teor de anormalidade deste Grande Prêmio.
E, claro, o quarto lugar de Max Verstappen, relembrando a boa performance do seu pai 21 anos antes, com o pódio do GP da Hungria de 1994. O garoto é bom e merece estar onde está. Tem cometido erros próprios a um principiante nas últimas corridas, mas de um modo geral, o holandês vem mostrando que entende do riscado.
Não poderia terminar esse texto, porém, sem um agradecimento especial a Sebastian Vettel.
Essa vitória espetacular só não foi mais emocionante do que suas palavras no rádio. Primeiro, agradeceu de forma apaixonada aos seus companheiros na Ferrari.
Depois, despediu-se de Jules Bianchi da forma mais apropriada: em francês C'est. Uma digníssima homenagem.
Enfim... A penitência ao escrever este texto é porque não vi a corrida ao vivo. As emoções que eu teria sentido se tivesse assistido seriam incomensuráveis.
Mas vida que segue.
Danke, Sebastian.
Au revoir, Jules.
Resultados:
1. Vettel (ALE/Ferrari) - 69 voltas em 1h46min09s985
2. Kvyat (RUS/Red Bull Racing-Renault) + 15s748
3. Ricciardo (AUS/Red Bull Racing-Renault + 25s084
4. Verstappen (HOL/Scuderia Toro Rosso-Renault) + 44s251
5. Alonso (ESP/McLaren-Honda) + 49s079s
6. Hamilton (ING/Mercedes) + 52s025
7. Grosjean (FRA/Lotus-Mercedes) + 58s578
8. Rosberg (ALE/Mercedes) + 58s876
9. Button (ING/McLaren-Honda) + 67s028
10. Ericsson (SUE/Sauber-Ferrari) + 69s130
11. Nasr (BRA/Sauber-Ferrari) + 73s458
12. Massa (BRA/Williams-Mercedes) + 74s278
13. Bottas (FIN/Williams-Mercedes) + 80s228
14. Maldonado (VEN/Lotus-Mercedes) + 85s142
15. Merhi (ESP/Manor-Ferrari) + 2 voltas
Abandonos
Stevens (ING/Manor-Ferrari) - suspensão
Sainz Jr. (ESP/Scuderia Toro Rosso-Ferrari) - pressão de combustível
Raikkonen (FIN/Ferrari) - motor
Pérez (MEX/Force India-Mercedes) - freios
Hulkenberg (ALE/Force India-Mercedes) - acidente
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